III
Natureza
da Mediunidade
Chama-se mediunidade,
o conjunto de faculdades que permitem ao ser humano comunicar-se com o Mundo
Invisível.
O médium desfruta,
por antecipação, dos meios de percepção e de sensação que pertencem mais à vida
do espírito que à do homem, por isso tem o privilégio de servir de traço de
união entre eles.
Temos que ver nesse
estado o resultado da lei de evolução e não um efeito regressivo, uma tara,
como crêem certos fisiologistas, que comparam os médiuns a histéricos e
enfermos. Esse equívoco provém do fato de a grande sensibilidade e a impressionabilidade
de certos médiuns provocar em seu organismo físico perturbações sensoriais e
nervosas; mas esses casos são exceções, que seria errado generalizar, porque a
maioria dos médiuns possui boa saúde e um perfeito equilíbrio mental.
Toda extensão das
percepções da alma é uma preparação para uma vida mais ampla e mais elevada,
uma saída aberta a um horizonte mais vasto. Sob este ponto de vista, as
mediunidades, em conjunto, representam uma fase transitória entre a vida
terrestre e a vida livre do espaço.
O primeiro fenômeno
desse gênero, que chamou a atenção dos homens, foi o da visão. Por ela se
revelaram, desde a origem dos tempos, a existência do mundo do Além e a
intervenção, entre nós, das almas dos mortos. Estas manifestações, ao se
repetirem, deram nascimento ao culto dos espíritos, ponto de partida e base de
todas as religiões. Depois, as relações entre os habitantes da Terra e do Espaço
se estabeleceram das mais diversas e variadas formas, que se foram
desenvolvendo através dos tempos, sob diferentes nomes, mas todas partem de um
único princípio.
Por meio da
mediunidade sempre existiu um laço entre ambos os mundos, uma via traçada pela
qual a alma humana recebia revelações, gradualmente mais elevadas, acerca do
bem e do dever, luzes cada vez mais vivas sobre seus destinos imortais.
Os grandes espíritos,
por motivo de sua evolução, adquirem conhecimentos progressivamente mais amplos
e se convertem em instrutores, em guias dos humanos cativos na matéria.
A autoridade e o
prestígio de seus ensinamentos ficam realçados ainda mais pelas profecias,
pelas previsões que os precedem ou os acompanham.
Em outra parte
estudamos, detalhadamente, os diferentes gêneros de mediunidade e os fenômenos
que produzem.
Então pode-se ver
como se estabeleceu a comunicação dos vivos e dos mortos; como se constitui
essa fronteira ideal onde as duas humanidades, uma visível e a outra invisível,
entram em contato; como, graças a essa penetração, se estende e se esclarece
nosso conhecimento da vida futura, a noção que possuímos das leis morais que a
regem, com todas as suas conseqüências e suas sanções.
Por todos os
procedimentos medianímicos, os espíritos superiores se esforçam em trazer a
alma humana das profundidades da matéria para as altas e sublimes verdades que
regem o Universo, para que se revistam dos altos fins da vida e encarem a morte
sem terror, para que aprendam a desprender-se dos bens passageiros da Terra e
prefiram os bens imperecíveis do espírito.
A alma não pode achar
harmonia senão no conhecimento e na prática do bem, e somente dessa harmonia é
que flui, para ela, a felicidade.
Aos espíritos
superiores se unem as almas amigas dos parentes mortos, cuja solicitude
continua estendendo-se sobre nós, assistindo-nos em nossas dolorosas lutas
contra a adversidade e contra o mal.
Assim, a mediunidade
bem exercida se converte em um manancial de luzes e consolos. Por seu
intermédio, as vozes do Alto nos dizem: “Escutai nossas chamadas; vós que
buscais e chorais não estais abandonados... Temos sofrido para lograr
estabelecer um meio de comunicação entre o vosso mundo esquecido e o nosso
mundo de recordações.
A mediunidade já não
se verá enxovalhada, menosprezada, maldita, porque os homens já não poderão
desconhecê-la. Ela é o único laço possível entre os vivos e nós, a quem nos
chamam mortos.
Esperai, não
deixaremos fechar-se a porta que temos entreaberta para que, em meio às vossas
dúvidas e vossas inquietudes, possais entrever as claridades celestes.”
Depois de haver
mostrado o grande papel da mediunidade, convém assinalar as dificuldades que
existem em sua aplicação. Em primeiro lugar são escassos os bons médiuns, não
porque lhes faltam faculdades notáveis, mas por ficarem logo sem utilidade prática
por falta de estudos sérios e profundos.
Muitos médiuns se
escondem nos círculos íntimos, nas reuniões familiares, ao abrigo das
exigências exageradas e dos contatos desagradáveis.
Quantas jovens de
organismo delicado, quantas senhoras que conhecemos, retraídas pelo temor à
crítica e às más línguas, afogam e perdem bonitas faculdades medianímicas por
não empregá-las bem, com uma boa direção!
Os adversários do
Espiritismo sempre se dedicaram a denegrir médiuns, acusando-os de fraude,
procurando fazê-los passar por neuróticos e tratando, por todos os meios, de
desviá-los de sua missão; sabendo que o médium é condição essencial dos fenômenos,
esperam, desse modo, destruir o Espiritismo em seu alicerce.
É importante que
façamos fracassar essa tática e, para isso, temos de dar ânimo e ajuda aos
médiuns, rodeando o exercício de suas faculdades de todas as precauções
necessárias.
A guerra ceifou
milhões de vidas em plena juventude e virilidade. As epidemias, os açoites de
todas as classes, deixaram enormes vazios no seio das famílias. Todos esses
espíritos tratam de se manifestar àqueles a quem amaram na Terra, para
provar-lhes seu afeto, sua ternura, para secar suas lágrimas, para acalmar suas
dores.
Por outra parte, as
mães, as viúvas, as noivas, os órfãos, todos estendem suas mãos e seus
pensamentos para o céu, na angustiosa espera de notícias de seus mortos, ávidos
de recolher provas de sua presença, testemunhos de sua sobrevivência.
Quase todos possuem
faculdades latentes e ignoradas que poderiam permitir-lhes estabelecer relações
com seus mortos.
Por todas as partes
existem possibilidades de se estabelecer um elo entre essas duas multidões de
seres que se buscam, se atraem e desejam fundir seus sentimentos e seus
corações em uma comum harmonia.
O Espiritismo e a
mediunidade são os únicos que podem realizar essa doce e santa comunhão e
trazer, a todos, a paz, a serenidade da alma que dá fortaleza e convicção.
É sobretudo entre
essas vítimas da guerra cruel, no seio do povo, entre os humildes, os pequenos,
os modestos, que se há de buscar os recursos psíquicos que permitam aos nossos
amigos do espaço proporcionar-nos provas da persistência de sua vitalidade e da
nossa reunião futura.
Quantas faculdades
dormem silenciosamente no fundo desses seres, esperando a hora de florescer, de
produzir frutos de verdade e de beleza moral!
Neste aspecto, grande
é a tarefa que cabe aos espíritos esclarecidos, aos abnegados crentes, aos
apóstolos da grande doutrina.
Seu dever é sacudir a
indiferença de uns, a apatia de outros, ir ao encontro de todos esses agentes
obscuros da obra de renovação, instruí-los, pôr em ação os recursos escondidos,
as riquezas insuspeitadas que possuem e conduzi-los ao fim assinalado. Para
cumprir essa tarefa, há que se possuir ciência e fé. Graças a esta última, e
por análogos procedimentos, os apóstolos dos primeiros tempos do Cristianismo
suscitaram ao seu redor “os milagres” e, com eles, o entusiasmo religioso que
devia transformar a face do globo.
Em nossos dias, é
necessário não somente a fé ardente, mas também o conhecimento das leis
precisas que regem os mundos visível e invisível com o fim de facilitar sua
harmonia, sua recíproca interpretação, separando da experimentação os elementos
de erros, de perturbação e de confusão.
Com um adestramento
gradual, veremos ampliar-se o círculo das percepções e das sensações psíquicas,
e ficará evidenciada a mais imponente certeza da perenidade do princípio vital
que nos anima.
A alma humana
aprenderá a conhecer as sombras e os esplendores do Mais-Além e, neste
conhecimento, achará uma trégua para suas dores e um manancial de força na
desgraça em frente à morte.
(Léon Denis - Espíritos e
Médiuns - Traduzido do Francês - Esprits et Médiums – 1921)