Antes de chegar
Hilário Silva
Estávamos
em tarefa de assistência, na grande nave aérea, que voava tranquilamente. Lá
embaixo, as montanhas mineiras mostravam a exuberância de sua vegetação. Aqui e
ali, uma nuvem a espreguiçar-se, impassível.
Lado
a lado, conversavam dois amigos:
– E
você, que fará no Rio?
– Vou
tratar da saúde.
–
Você? O confidente dos “bons Espíritos”?
–
Como não? São bons amigos... Mas um amigo não pode apagar nossos débitos.
–
Mas, enfim, para que serve o Espiritismo?
– Ajuda-me
a viver preparado.
–
Para quê? – e sorriu, insolente, o companheiro sarcástico. – Vocês, religiosos,
só falam em amanhã e amanhã. Mas a vida é hoje, meu caro... Ateu como sou, vivo
muito melhor. Minha fazenda dá de tudo. A corretagem é boa mina. Com ela, estou
formando larga frota de caminhões em Brasília! Mas vocês, espíritas, são
impressionantes. Pensam somente em sessões e ilusões, com os olhos no outro
mundo...
– Não
é tanto assim...
– Que
faz você, agora?
–
Como há dez anos, represento o comércio.
–
Muitos patrões?
–
Muitos patrões.
–
Faça como eu. Nada de dependência. Sou livre, livre. Vou aonde quero e faço o
que quero. Neste ano, levantarei meu arranha-céu em São Paulo, terei minha casa
de repouso, no Eldorado, adquirirei terreno numa das praias de Santos e
comprarei novas terras em Goiás. Mas, antes disso, quero visitar Nova York.
Darei uma espiada na América. Já estou providenciando passagem num Caravelle...
Nada de outra vida. Quero esta mesma...
Nesse
ínterim, a grande cidade, embora ao longe, apareceu de todo...
O
Corcovado e o Pão de Açúcar ornavam a natureza da terra carioca.
–
Veja a beleza do mundo! – acentuou o viajante materialista. – Isso é para ser
desfrutado, gozado, aproveitado. E depressa. Nada de amanhã. Tudo é hoje. Se
você quiser esquecer essa história de mortos comunicantes, dê à noite um pulo
no meu hotel!...
Nisso,
porém, a máquina poderosa começou a jogar.
Parecia
um pássaro enorme em convulsões imprevistas.
E,
antes que os passageiros dessem conta de si, o grande avião mergulhou no mar,
com a desencarnação de todos...
(Do cap. 22 do livro Almas em Desfile, obra psicografada pelos médiuns Waldo Vieira e Francisco Cândido Xavier. )