Depois
de alguns dias peregrinando pelo deserto escaldante, o singelo monge, adentra
em uma pequena aldeia, avistando mais a frente a população da simples vila
amontoada e admirada, homens, mulheres, jovens, crianças e velhos deixaram seus
afazeres e encontravam-se concentradas nas exposições de um senhor bem
aparentado, com vestimentas limpas de linho e algodão brancos, coberto por seda
e ouro,cordões brilhantes enfeitavam seu pescoço, enormes anéis com pedras
preciosas adornavam seus dedos, possuía uma postura nobre e imponente, e que
aos brados demonstrava grande eloqüência no falar causando alvoroço e estase na
platéia que ali o assistia silenciosa e que devido à fala rápida e carregada de
termos desconhecidos para a grande maioria das pessoas, não se fazia entender
plenamente.
O
homem encontrava-se sobre um improvisado palanque, composto de tabuas e
caixotes, que empilhados colocavam-no em situação de evidencia, acima da
plateia curiosa e empolgada, que em determinadas pausas do orador, aplaudiam de
forma veemente, mas sem compreenderem o que realmente de passava. Apenas
ansiando serem reconhecidas como entendedoras dos assuntos abordados pelo
esbaforido palestrante.
Aproximando-se
cautelosamente, o bondoso monge prestava atenção em cada palavra proferida pelo
entusiasmado expositor e ponderando sobre certas afirmativas, mesmo não
concordando em determinados momentos com suas avaliações desordenadas,
respeitosamente em momento algum manifestou qualquer demonstração de repreensão
sobre o mesmo, entretanto, sentindo-se deslocado pela conduta soberba e
pretensiosa deste homem, resolveu afastar-se deste espetáculo improdutivo, pois
a palestra apesar de inflamada pelo tom do expositor apresentava-se pobre em se
tratando do direcionamento moral e em nada contribuía para o engrandecimento
das pessoas.
Silenciosamente
nosso meigo amigo afasta-se da assembleia, não sendo notado pelas pessoas que
ali se encontravam e apenas o expositor percebe sua retirada.
O
homem notando o afastamento silencioso do pobre monge, sentindo o orgulho
ferir-se por tal conduta, percebe-se agraciado em poder demonstrar um
conhecimento ainda maior sobre os demais e buscando sobrepujar o simplório
viajor, volta-se contra ele e lhe dirige uma interrogativa em tom tão alto que
poderia ser ouvido a quilômetros de distancia, imaginando ser o único
conhecedor das verdades da vida e da essência da existência, bem como
colocar-se em evidencia, mas ostentando uma humildade inexistente:
-
Pobre criatura que perambula pelo caminho da miséria e do anonimato, apesar de
ser um mensageiro de Deus, um seguidor do Crucificado, acredito inclusive que
tenha feito algum voto de pobreza, pois apresenta-se em estado lastimável com
as vestes em péssimo estado de conservação. Será que você em sua situação de
humilde e maltrapilho ser, saberia dizer-nos por que as pessoas sábias são
sempre rodeadas e por onde passam, todos se aproximam para lhes ouvirem falar
tornando-os sempre o centro das atenções e colocando-os em evidencia ao ponto
que os insignificantes nada fazem a não ser perambular silêncios pelos caminhos,
passando pelos locais despercebidos e sem ninguém lhes direcionar um único
olhar? Que alguns estão sempre em evidencia e são sempre admirados e outros
perdem-se no anonimato e na insignificância, sendo notado apenas pelos que dele
se compadecem.
As
pessoas então percebem a presença de inusitado viajante e voltam sua atenção ao
pobre homem, que agora teria que manifestar seu entendimento sobre tema tão
complexo e que eles acreditavam não ser capaz de explaná-lo.
O
monge, virando-se para seu interlocutor, fitando-o nos olhos de forma sublime e
caridosa, sorridente aproxima-se do homem, pois não ansiava gritar para se
fazer ouvir e apenas pronunciou pequeno pensamento em tom brando e sereno,
demonstrando segurança e conhecimento em tudo que falava, sem perder a
jovialidade cativante e a alegria nas palavras:
-
Peço que perdoe pelas palavras simples e sem tanta veemência por mim colocadas aqui,
pois o que sei da vida me foi transmitido no caminho da serventia e na escola
da fraternidade, com a fé em Deus encontro as respostas da essência de sua
criação e de minha existência. Acredito que as pessoas pelo percurso da
vivencia humana assemelham-se a carroças, e podemos entender o que cada uma
transporta ou possui pelo barulho que fazem no caminho que percorrem.
Podemos
observar carroças feias, velhas, com pinos frouxos, parafusos bambos, madeiras
trincadas e quebradas, eixos empenados e rodas em desalinho, mas que se dedicam
a servir, buscam então adequar-se à carga que irão transportar, não carregam
mais que suportam, pois assim, o volume nela colocado ira se adequar, fazendo
com que parafusos e porcas de comprimam, eixos se alinhem e possa assim seguir
com segurança pelo caminho, não vindo a comprometer a integridade do produto e
nem sua condição de serva útil e fiel.
As
carroças cheias e produtivas, sempre se movimentam silenciosas e lentas, pois o
peso de seu trabalho e a carga que carregam, demonstram o esforço em atender a
solicitação do serviço e cumprir a tarefa ao qual foi designada, sendo assim
seus movimentos sutis e cadenciados não chamam a atenção das pessoas que não se
interessem ou necessitem de seus prestimosos serviços.
Caminham
em silencio, pois entendem que o trabalho deve sempre ser moderado e sem
ofender aos outros, sabem da importância da sobriedade nas ações e que o percurso
pode apresentar perigos maiores se desvirtuar-se do caminho pela desatenção ou
pelo descuido.
Ao
fato que observamos carroças novas, com belas pinturas, que evitando estragar a
beleza de sua construção, evadem de atender as rogativas de serviço e se
preocupam em desfilar pelos caminhos sem real serventia.
Essas
carroças vazias e improdutivas em nada tem a ofertar, fazem bastante barulho e
muitas vezes com sons altos e ensurdecedores, que mesmo em grandes distancias
se fazem notar e chegam a incomodar e despertam a indiscrição. Isso demonstra
que apesar de percorrer por vários caminhos, não aproveitam a oportunidade de
servir e atender aos desígnios ao qual foi constituída. O barulho que fazem na
grande maioria das vezes desperta a curiosidade das pessoas, que se esquecem
dos seus afazeres e apenas se direcionam para onde ela se encontra para saberem
do que se trata, sem aproveitar realmente de sua condição de transporte ou
auxilio.
Portando
quanto mais vazia a carroça, maior o alvoroço que causa e menor a serventia.
Pode-se notar assim que nem sempre a que esta em evidencia é a mais produtiva,
muitas das vezes a curiosidade pelo barulho que faz é que atrai a atenção.
Se
analisarmos essa situação no decorrer dos nossos dias, poderemos concluir o
tipo de instrumento que estamos nos tornando, pois quem trabalha no Bem,
transmite seus conhecimentos e propaga a harmonia através de seus atos, sem
necessitar se promover ou alarmar aos demais em sua volta, entretanto o
necessitado de atenção, busca sempre alertar a todos de sua presença com sons
inoportunos e infrutíferos.
A
carroça cheia será sempre notada pelos que dela necessitem e busquem seu
trabalho, pelos que anseiam ser atendidos em suas necessidades e a carroça
vazia apenas caminha sendo notada pelo alvoroço e não pela serventia.
Neste
instante um a um dos participantes da assembléia se entreolharam e mesmo sem
conhecer da essência humana, a ciência, a arte e a filosofia, puderam receber
grande ensinamento de alguém tão simples aos olhos de uns e tão sábio aos olhos
de todos, fazendo com que os expectadores fossem se retirando e buscando
retornarem seus afazeres.
O
monge percebendo que ali não se fazia mais necessário, continuou sua caminhada,
sem olhar para trás. Com os mesmos passos cadenciados e singelos que adentrou a
pequena aldeia, ele dela se afasta.
O
expositor que sentiu seu sangue gelar e o coração deparar com sublime
orientação, ao descer do palanque corre para alcançar o monge e longe da platéia
curiosa , roga novas orientações pelo caminho, pois anseia seguir pelas veredas
do entendimento e tendo o singelo peregrino como seu orientador, buscando assim
tornar-se uma carroça cheia e produtiva.
(trecho do Livro Singelo Peregrino - Ensinos de um doce Rabi peregrino, pelo espírito Antônio Carlos Vieira, psicografia de Alessandro Micussi)