Causas anteriores das aflições (I)
Mas, se há males nesta vida cuja causa
primária é o homem, outros há também aos quais, pelo menos na aparência, ele é
completamente estranho e que parecem atingi-lo como por fatalidade. Tal, por
exemplo, a perda de entes queridos e a dos que são o amparo da família. Tais,
ainda, os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da
fortuna, que frustram todas as precauções aconselhadas pela prudência; os
flagelos naturais, as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos
infelizes os meios de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiotia,
o cretinismo, etc.
Os que nascem nessas condições, certamente
nada hão feito na existência atual para merecer, sem compensação, tão triste
sorte, que não podiam evitar, que são impotentes para mudar por si mesmos e que
os põe à mercê da comiseração pública. Por que, pois, seres tão desgraçados,
enquanto, ao lado deles, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos
de todos os modos?
Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem
em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que
ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde
justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de
Deus, se se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o
corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de
alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas, que acabam de sair das mãos
do Criador, para se verem, neste mundo, a braços com tantas misérias e para
merecerem no futuro uma recompensa ou uma punição qualquer, visto que não hão
podido praticar nem o bem, nem o mal?
Todavia, por virtude do axioma segundo o qual
todo efeito tem uma causa, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa
e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora,
ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há
de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente.
Por outro lado, não podendo Deus punir alguém pelo bem que fez, nem pelo mal
que não fez, se somos punidos, é que fizemos o mal; se esse mal não o fizemos
na presente vida, tê-lo-emos feito noutra. É uma alternativa a que ninguém pode
fugir e em que a lógica decide de que parte se acha a justiça de Deus.
O homem, pois, nem sempre é punido, ou punido
completamente, na sua existência atual; mas não escapa nunca às conseqüências
de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea; se ele não expiar
hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando o seu
passado. O infortúnio que, à primeira vista, parece imerecido tem sua razão de
ser, e aquele que se encontra em sofrimento pode sempre dizer: “Perdoa-me,
Senhor, porque pequei.”
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo,
cap. V, item 6.)