Estudo Sistematizado da Doutrina
Espírita
Programa Fundamental Tomo I
Módulo
I – Introdução ao Estudo do Espiritismo
O contexto histórico do
século XIX na Europa
O século XIX representou uma
dessas épocas em que fomos especialmente abençoados pela bondade superior, a
despeito de todas as dificuldades assinaladas nesse período. Além das enormes contribuições
culturais recebidas, fomos imensamente distinguidos pelo advento do
Espiritismo, materializado no mundo físico pelo trabalho inestimável do
professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail que, ao codificar a Doutrina
Espírita, adotou o pseudônimo de Allan Kardec.
Entretanto, é o século que dá
início aos grandes movimentos revolucionários europeus que derrubaram o
absolutismo, implantaram a economia liberal e extinguiram o antigo sistema colonial,
movimentos esses apoiados nas ideias renovadoras da Filosofia e da Ciência,
divulgadas no século XVIII por Espíritos reformadores, denominados iluministas
e enciclopedistas. Tais ideias, de acordo com o Espírito Emmanuel, constituíram
a base para que fossem combatidos, no século XIX, os [...] erros da sociedade e
da política, fazendo soçobrar os princípios do direito divino, em nome do qual
se cometiam todas as barbaridades. Vamos encontrar nessa plêiade de
reformadores os vultos veneráveis de Voltaire [1694- 1778], Montesquieu
[1689-1755], Rousseau [1712- 1778], D´Alembert [1717-1783], Diderot
[1713-1784], Quesnay [1694-1774]. Suas lições generosas repercutem na América
do Norte, como em todo o mundo. Entre cintilações do sentimento e do gênio, foram
eles os instrumentos ativos do mundo espiritual, para regeneração das coletividades
terrestres 14. Enfatiza, ainda, Emmanuel que [...] foi dos sacrifícios desses
corações generosos que se fez a fagulha divina do pensamento e da liberdade,
substância de todas as conquistas sociais de que se orgulham os povos modernos
14.
Os Estados Unidos foram a
primeira nação a absorver efetivamente o pensamento renovador dos iluministas.
Assim é que, após alguns incidentes com a metrópole – Grã-Bretanha –, os americanos
proclamam a sua independência política, em 4 de julho de 1776, tendo sido organizada,
posteriormente, a Constituição de Filadélfia, modelo dos códigos democráticos
do futuro 15.
A independência americana
repercutiu intensamente na França, acendendo o [...] mais vivo entusiasmo no
ânimo dos franceses, humilhados pelas mais prementes dificuldades, depois do extravagante
reinado de Luís XV 16. Em consequência, desencadeou-se um poderoso movimento
revolucionário em 1789 – a Revolução Francesa –, considerada o marco que separa
Idade Moderna da atual, a Contemporânea. Os sucessivos progressos culturais em
todos os campos do saber humano, desencadeados pela Revolução Francesa, foram
tão marcantes que o século XIX entrou para a história como sendo o Século da
Razão, assim como o século XVIII é denominado o Século das Luzes.
No contexto da história da
civilização ocidental europeia [...] o século XIX, tal como os historiadores o
delimitam, ou seja, o período compreendido entre o fim das guerras napoleônicas
e o início do primeiro conflito mundial [...], é um dos séculos mais complexos
[...] 7, marcado por um período de profundas transformações político-sociais e
econômicas, as quais tiveram o poder de influenciar gerações posteriores.
1. O contexto histórico europeu
do século XIX
1.1 A Revolução
Francesa e as suas consequências
No apagar das luzes do século XVIII, a França,
uma monarquia governada por Luiz XVI, é ainda um país agrário, com
industrialização incipiente. A sociedade francesa está constituída de três
grupos sociais básicos: o clero, a nobreza e a burguesia. O clero, cognominado
de Primeiro Estado, representava 2% da população total e era isento de
impostos. Havia um grande desnível entre o alto clero, de origem nobre e
possuidor de grandes rendimentos originários das rendas eclesiásticas, e o
baixo clero, de origem plebeia, reduzido à própria subsistência. A nobreza,
conhecida como Segundo Estado, fazia parte dos 2,5% de uma população de 23
milhões de habitantes. Não pagava impostos e tinha acesso aos cargos públicos.
Subdividia-se em alta nobreza, cujos rendimentos provinham dos tributos
senhoriais, das pensões reais e dos cargos na corte; em nobreza rural, que
possuía direitos de senhorio e de exploração agrícola, e em nobreza
burocrática, de origem burguesa, que ocupava os altos postos administrativos.
Cerca de 95% da população – que incluía desde ricos comerciantes até camponeses
– formavam o Terceiro Estado, que englobava a burguesia (fabricantes,
banqueiros, comerciantes, advogados, médicos), os artesãos, o proletariado
industrial e os camponeses. Os burgueses tinham poder econômico, devido,
principalmente, às atividades industriais e financeiras.
No entanto, igualada ao povo, a
burguesia não tinha direito de participação política nem de ascensão social.
Foi essa situação que desencadeou uma série de conflitos, que culminaram com a
Revolução Francesa, de 14 de julho de 1789 3.
A despeito dos inegáveis
benefícios sociais e políticos produzidos pela Revolução Francesa, entre eles a
célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, seguiram-se anos de
terror, que favoreceram o golpe de estado executado por Napoleão Bonaparte, no
final do século XVIII. Os sublimes ideais da Revolução Francesa foram desvirtuados,
em razão do abuso do poder exercido por aqueles que assumiram o governo do
país. Segundo Emmanuel, naqueles anos de terror, a [...] França atraía para si
as mais dolorosas provações coletivas nessa torrente de desatinos.
Com a influência inglesa,
organiza-se a primeira coligação europeia contra o nobre país [França]. [...]
Também no mundo espiritual reúnem-se os gênios da latinidade, sob a bênção de
Jesus, implorando a sua proteção e misericórdia para a grande nação transviada.
Aquela que fora a corajosa e singela filha de Domrémy [Joanna D´Arc] volta ao
ambiente da antiga pátria, à frente de grandes exércitos de Espíritos
consoladores, confortando as almas aflitas e aclarando novos caminhos.
Numerosas caravanas de seres flagelados, fora do cárcere material, são por ela
conduzidos às plagas da América, para as reencarnações regeneradoras, de paz e
de liberdade 17.
Entre o final do século XVIII e o
início do século XIX (1799 a 1815), a política europeia está centrada na figura
carismática de Napoleão Bonaparte, um dos grandes chefes militares da História,
administrador talentoso, que, entre outras reformas civis, promulga uma nova
Constituição; reestrutura o aparelho burocrático; cria o ensino controlado pelo
Estado (ensino público); declara leigo o Estado, separando-o, assim, da
religião; promulga o Código Napoleônico – que garante a liberdade individual, a
igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada, o divórcio – e adota
o primeiro Código Comercial 3.
No que diz respeito às ações
deste imperador francês, lembra-nos Emmanuel que [...] as atividades de
Napoleão pouco se aproximaram das ideias generosas que haviam conduzido o povo
francês à revolução. Sua história está igualmente cheia de traços brilhantes e
escuros, demonstrando que a sua personalidade de general manteve-se oscilante
entre as forças do mal e do bem. Com as suas vitórias, garantia a integridade
do solo francês, mas espalhava a miséria e a ruína no seio de outros povos. No
cumprimento da sua tarefa, organizava-se o Código Civil, estabelecendo as mais
belas fórmulas do direito, mas difundiam-se a pilhagem e o insulto à sagrada
emancipação de outros, com o movimento dos seus exércitos na absorção e
anexação de vários povos. Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o
mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora
traído em suas próprias forças [...] 18.
Após Napoleão, a França passa por
um novo período de transformações históricas, uma vez que [...] vários
princípios liberais da Revolução foram adotados, tais como a igualdade dos
cidadãos perante a lei, a liberdade de cultos, estabelecendo- se, a par de
todas as conquistas políticas e sociais, um regime de responsabilidade individual
no mecanismo de todos os departamentos do Estado. A própria Igreja, habituada a
todas as arbitrariedades na sua feição dogmática, reconheceu a limitação dos
seus poderes junto das massas, resignando-se com a nova situação 19.
O movimento democrático na França
mistura política e literatura. Assim, numerosos escritores se engajam na luta
política e social, através de suas obras e ação. Desse modo, Lamartine e Víctor
Hugo são eleitos deputados, tornando-se o próprio Lamartine – que muito
contribuiu para o advento da República – chefe do governo provisório. Muitos
desses escritores, como Zola, militam na causa republicana ou socialista 8.
Sob o regime da Restauração, as
questões mais importantes são as de ordem política: o partido liberal exige a
aplicação da Carta (Constituição) e um alargamento da liberdade que ela
garante. Os liberais, como Stendhal e Paul-Louis Courier, são anticlericais.
Chateaubriand torna-se liberal, e prevê o advento da Democracia 9.
1.2 A Revolução
Industrial e as suas repercussões
Outra revolução, iniciada na
Inglaterra em meados do século XVIII, a Revolução Industrial, acarretou
profundas transformações na sociedade, modificando a feição das relações
humanas dentro e fora dos países. Serviu de alavanca para o progresso
tecnológico que presenciamos nos dias atuais, pela invenção de máquinas e de
equipamentos cada vez mais sofisticados. Propiciou o desenvolvimento das
relações internacionais, em especial nas áreas econômicas, comerciais e
políticas, transformando o mundo numa aldeia global. Conduziu à urbanização de
ajuntamentos humanos e à construção de modernos cercamentos (propriedades
rurais). Desenvolveu a rede de comunicações de curta e de longa distância,
principalmente pelo emprego inteligente da energia elétrica e da eletrônica.
Ampliou os meios de transportes,
em especial o marítimo e o aéreo. Favoreceu as pesquisas médico-sanitárias
voltadas para o controle das doenças epidêmicas, resultando no aumento das
faixas da sobrevida humana 4.
A Revolução Industrial, no
entanto, produziu igualmente várias distorções e malefícios, de certa forma
esperados, se se considerar o relativo atraso moral da nossa Humanidade. Os
principais desequilíbrios produzidos pela Revolução Industrial são,
essencialmente, decorrentes das relações trabalhistas, infelizmente caracterizadas
pela exploração do trabalho e pelas deficientes condições de segurança e
higiene laborais, ocorridas em gradações diversas 4.
É oportuno considerar que os
ideais da Revolução Francesa e os princípios da Revolução Industrial se
espalharam, como um rastilho de pólvora, por todo o continente europeu,
estimulando revoluções liberais, que incitavam a burguesia e os trabalhadores a
ações contra o poder constituído. A Europa do século XIX assemelha-se a um
caldeirão em constante ebulição, afetando o cotidiano das pessoas, em
decorrência das contínuas mudanças no campo das ideias, na organização das
instituições, na definição das formas de governo, e em virtude dos embates
político-sociais, das conquistas científicas e tecnológicas, das planificações educativas,
dos questionamentos religiosos e filosóficos.
1.3 Manifestações
artísticas e culturais do século XIX
As atividades artísticas e
culturais do século XIX revelam uma preferência predominantemente romântica. O
romantismo influencia as ideias políticas e sociais abraçadas pela burguesia
revolucionária da primeira metade do século, associando as manifestações
românticas aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. A inspiração do
artista romântico era buscada junto das pessoas simples, numa manifestação
antielitista e antiaristocrata. Pesquisava-se a cultura popular e o folclore
para a produção de pinturas, esculturas e peças musicais.
As obras românticas de caráter
épico destacam o heroísmo. O ideário artístico estava diretamente relacionado à
realidade das lutas políticas e sociais da época: os sacrifícios da população,
o sangue derramado nas batalhas e até as dificuldades encontradas nas disputas
amorosas 5.
No que diz respeito à produção
literária, sobressai, na Alemanha, o poeta Göethe (1749-1832), que, em Fausto –
uma de suas mais importantes obras –, enaltece a liberdade individual, tema
repetido em seus demais trabalhos 5.
Na França, destaca-se a figura de
Víctor Hugo, que ocupa lugar excepcional na história das letras francesas.
Grande parte de sua obra é popular pelas ideias sociais que difunde, e pelos
sentimentos humanos, nobres e simples que ela canta. No livro Napoleão, o
Pequeno, Víctor Hugo critica o governo de Napoleão III. Em Os Miseráveis,
denuncia, como ninguém até então fizera, o estado de penúria dos pobres 13.
As artes plásticas, inspiradas no
classicismo greco-romano, têm como exemplos mais importantes o Arco do Triunfo
e as colunas existentes em Paris, construídas por ordem de Napoleão Bonaparte.
Jacques-Louis David (1746-1828) legou à posteridade famoso quadro sobre o
assassinato de Jean-Paul Marat, um dos líderes da Revolução Francesa.
O pintor francês Eugène Delacroix
(1798-1863) – líder do movimento romântico na pintura francesa – retrata no
quadro A Liberdade uma mulher que, segurando a bandeira tricolor francesa, guia
o povo nas dramáticas jornadas revolucionárias 5.
No campo das composições musicais
ocorre uma reviravolta. O virtuosismo do século anterior é substituído por
interpretações musicais de forte colorido emocional.
A música para os românticos não
era só uma obra de arte, mas um meio de comunicação com o estado de alma. Os
grandes compositores românticos captam e executam peças musicais que destacam o
momento político. Um dos compositores que demonstra de forma notável essa
relação é Richard Wagner (1813-1883).
A composição musical Lohengrin
revela a forte influência dos socialistas utópicos e dos revolucionários da
época. Beethoven (1770-1827) homenageia Napoleão Bonaparte em sua Nona
Sinfonia. A Rapsódia Húngara, de Liszt (1811-1886), e as Polonaises, de Chopin
(1810-1849), são verdadeiros panfletos de manifestações nacionalistas. O
nacionalismo, na produção das óperas de Rossini (1792-1868), Bellini
(1801-1835) e Verdi (1813-1901), transmite um apelo pungente à unificação da
Itália. O surgimento dessa forma de ópera determina a passagem da música de
câmara para a música dos grandes teatros, onde um grande número de pessoas poderia
ter acesso aos espetáculos artísticos 5.
Ao idealismo romântico
contrapõe-se o Realismo, que professa o respeito pelos fatos materiais, e
estuda o homem segundo o seu comportamento e em seu meio, à luz das teorias
sociais ou fisiológicas. Escritores realistas como Stendhal, Balzac, Flaubert,
e naturalistas como Zola, escreveram romances com pretensões científicas. Zola
imita o método científico experimental do biólogo Claude Bernard 10, 12.
Na segunda metade do século XIX,
a pintura europeia passa por uma verdadeira transformação, desencadeada pelo
movimento chamado Impressionismo.
Os pintores impressionistas
procuram captar o cotidiano da vida urbana e do campo, buscando registrar nas
telas as impressões dos efeitos da luz sobre a cena desejada. Os pintores mais
importantes desse movimento foram Édouard Manet (1832-1883), Claude Monet
(1840-1926), Renoir (1841-1920), Cézanne (1839 -1906) e Degas (1834-1917) 5.
1.4 Manifestações
filosóficas, políticas, religiosas, sociais e científicas do século XIX
Para Emmanuel, o [...] campo da
Filosofia não escapou a essa torrente renovadora.
Aliando-se às ciências físicas,
não toleraram as ciências da alma o ascendente dos dogmas absurdos da Igreja.
As confissões cristãs, atormentadas e divididas, viviam nos seus templos um
combate de morte. Longe de exemplificarem aquela fraternidade do Divino Mestre,
entregavam-se a todos os excessos do espírito de seita. A Filosofia
recolheu-se, então, no seu negativismo transcendente, aplicando às suas
manifestações os mesmos princípios da ciência racional e materialista. Schoupenhauer
[1788-1860] é uma demonstração eloqüente do seu pessimismo e as teorias de
Spencer [1820-1903] e de Comte [1798-1857] esclarecem as nossas assertivas, não
obstante a sinceridade com que foram lançadas no vasto campo das idéias 21. De
acordo com o Positivismo de Auguste Comte, a humanidade ultrapassou o estado
teológico e o estado metafísico ao penetrar o estado positivo, caracterizado
pelo sucesso dos conhecimentos positivos, fundados numa certeza racional e
científica. Tais idéias conduzem aos exageros do cientificismo, em que a fé na
Ciência se torna a verdadeira fé. Acredita-se que ela vá resolver todos os
problemas, elucidar todos os mistérios do mundo; tornar inúteis a religião e a metafísica.
Este entusiasmo é revelado na conhecida obra literária de Renan: L´Avenir de la
Science (O Futuro da Ciência) 12.
Em relação às ideias anarquistas
e às ideologias socialistas da sociedade da época, essas concepções ainda
repercutem nos dias atuais. O Anarquismo, como sabemos, representa um conjunto
de doutrinas que preconizam a organização da sociedade sem nenhuma forma de
autoridade imposta. Considera o Estado uma força coercitiva que impede os
indivíduos de usufruir liberdade plena. A concepção moderna de anarquismo nasce
com a Revolução Industrial e com a Revolução Francesa. Em fins do século XVIII,
William Godwin (1756-1836) desenvolve o pensamento anárquico, na obra Enquiry
Concerning Political Justice.
No século XIX surgem duas
correntes principais do Anarquismo, de ação marcante na mentalidade dos povos.
A primeira encabeçada pelo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), afirma
que a sociedade deve estruturar sua produção e seu consumo em pequenas
associações baseadas no auxílio mútuo entre as pessoas. Segundo essa teoria, as
mudanças sociais são feitas com base na fraternidade e na cooperação. O russo
Mikhail Bakunin (1814-1876) é um dos principais pensadores da outra corrente,
também chamada de Coletivismo. Defende a utilização de meios mais violentos nos
processos de transformação da sociedade, e propõe a revolução universal
sustentada pelos camponeses (campesinato). Afirma que as reformas só podem
ocorrer depois que o sistema social existente for destruído. Os trabalhadores
espanhóis e italianos são bastante influenciados por Bakunin, mas o movimento
anarquista nesses países é esmagado pelo surgimento do Fascismo. O russo Peter
Kropotkin (1842-1876) é considerado o sucessor de Bakunin. Sua tese é conhecida
como anarco-comunista e se fundamenta na abolição de todas as formas de
governo, em favor de uma sociedade comunista regulada pela cooperação mútua dos
indivíduos, em vez da oriunda das instituições governamentais. Essas ideias
resultaram no surgimento do Marxismo, que, de socialismo científico,
transforma-se em crítico do regime capitalista, tendo como base o materialismo
histórico 8. Assim, em 1848, o Manifesto do Partido Comunista, de autoria dos
alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), afirma que o
comunismo seria a etapa final da organização político-econômica humana. A
sociedade viveria em um coletivismo, sem divisão de classes e sem a presença de
um Estado coercitivo.
Para chegar ao Comunismo, no
entanto, os marxistas preveem um estágio intermediário de organização, o
Socialismo, que instauraria uma ditadura do proletariado para garantir a
transição.
Esses movimentos políticos também
confrontam as práticas religiosas conduzidas pela Igreja Católica que, desviada
dos princípios morais do estabelecimento de um império espiritual no coração
dos homens, aproxima-se em demasia das necessidades políticas da nobreza
reinante na Europa. Essa aproximação com o poder real trouxe consequências
desastrosas, abrindo espaço a discussões sobre o papel desempenhado pela Igreja
em particular, e pela religião, considerada como sinônimo de movimento
religioso de igreja – católica ou reformada –, equívoco que ainda norteia o
pensamento religioso da maioria dos europeus dos dias atuais. Nesse contexto,
surge o Catolicismo Social, movimento criado por Lamennais, que buscava um
ideal de caridade e de justiça, conforme os ensinos do Evangelho. Lamennais
rompe com a Igreja e se torna abertamente socialista. Lacordaire e
Mont´Alembert se submetem sem abandonar a ação generosa (caridade e justiça)
11. A fragilidade demonstrada pela Igreja Católica, frente aos contumazes
ataques que recebia, abriu espaço à expansão das doutrinas divulgadas pelas
igrejas reformadas. Na verdade, a propagação do Protestantismo na Europa e na
América – da mesma forma que a multiplicidade de interpretações doutrinárias
surgidas ao longo de sua evolução histórica –, estava ocorrendo desde o século
XVI. Os questionamentos levantados sobre o papel da religião, num período em
que a sociedade estava submetida a um racionalismo dominante, conduziram
teólogos e intelectuais protestantes do século XIX a um reexame dos textos
bíblicos, e até a um estudo crítico da razão de ser do Cristianismo.
Nasciam, a partir daquele momento
histórico, as teorias sobre a salvação pela fé, dogma considerado
imprescindível à experiência religiosa de cada pessoa e à necessidade social
que o homem tem de crer em Deus e de senti-lo.
No campo da Ciência, as mudanças
foram significativas, fundamentais ao progresso científico e tecnológico dos
dias futuros: a descoberta do planeta Netuno por Leverrier; os trabalhos de Louis
Pasteur sobre microbiologia; os estudos de Pierre e Marie Curie no campo das
energias emitidas pelo rádio, e a teoria da origem e evolução das espécies, de
Charles Darwin. O surgimento da máquina a vapor revoluciona os meios de
transportes. O desenvolvimento da indústria e sua concentração progressiva
levam a um aumento considerável do proletariado urbano e da acuidade das
questões sociais. O movimento industrial necessita de operações bancárias e
permite a edificação de novas fortunas. A burguesia rica acelera sua ascensão e
torna-se a classe dominante, força política e social. O dinheiro é tema
literário de primeiro plano, com cuja inspiração os autores pintam a insolência
de seus privilegiados ou a miséria de suas vítimas 12.
Em [...] confronto com todas as
épocas precedentes, o período que vai de 1830 a 1914 assinala o apogeu do
progresso científico. As conquistas desse período não só foram mais numerosas,
mas também devassaram mais profundamente os segredos das coisas e revelaram a
natureza do mundo e do homem, projetando sobre ela uma luz até então
insuspeitada [...]. O fenomenal progresso científico dessa época resultou de vários
fatores. Deveu-se, até certo ponto, ao estímulo da Revolução Industrial, à elevação
do padrão de vida e ao desejo de conforto e prazer 6.
Todavia, é importante assinalar
que uma revolução diferente marcou, também, esse período. Falamos da revolução
moral proposta pelo Espiritismo nascente:
O século XIX desenrolava uma
torrente de claridades na face do mundo, encaminhando todos os países para as
reformas úteis e preciosas. As lições sagradas do Espiritismo iam ser ouvidas
pela Humanidade sofredora. Jesus, na sua magnanimidade, repartiria o pão
sagrado da esperança e da crença com todos os corações.
Allan Kardec, todavia, na sua
missão de esclarecimento e consolação, fazia-se acompanhar de uma plêiade de
companheiros e colaboradores, cuja ação regeneradora não se manifestaria
tão-somente nos problemas de ordem doutrinária, mas em todos os departamentos
da atividade intelectual do século XIX 20.
Referências
1. AMORIM, Deolindo. O
espiritismo e os problemas humanos. Rio de Janeiro: Mundo Espírita, 1948. Cap.
34, p. 170.
2. ______. Transição inevitável.
O espiritismo e os problemas humanos. São Paulo: USE, 1985, p. 23.
3. AMARAL, Jesus S. F. [et al.].
Enciclopédia mirador internacional. São Paulo: 1995. (Revolução francesa), vol.
18. Item III, p. 9852-9859.
4. ______. (Revolução
industrial), p. 9877-9881.
5. BURNS, Edward McNall. História
da civilização ocidental. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1975. Progresso
intelectual e artístico durante a época da democracia e do nacionalismo, p.
661.
6. ______. p. 792.
7. RÉMOND, René. O século XIX.
Tradução de Frederico Pessoa de Barros. 12. ed. São Paulo: Cultrix. Os
componentes sucessivos, p. 13.
8. LAGARDE, André et MICHARD,
Laurent. XIXe Siècle. Les grands auteurs français du programme. Paris: Bordas,
1964. Introduction (Le mouvement démocratique), vol. 5, p. 7-8.
9. ______. p. 8.
10. ______. (Le réalisme), p. 11.
11. ______. (Le socialisme), p.
8.
12. ______. (Le progrès
scientifique et industriel), p. 9.
13. ______. Victor Hugo, p. 153.
14. XAVIER, Francisco Cândido. A
caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap.
21 (Época de transição), item: Os enciclopedistas, p. 185.
15. ______. (A independência
americana), p. 186.
16. ______. Cap. 22 (A revolução
francesa), p. 187.
17. ______. (Contra os excessos
da revolução), p. 189.
18. ______. (Napoleão Bonaparte),
p. 192-193.
19. ______. Cap. 23 (Depois da
revolução), p. 196.
20. ______. (Allan Kardec e os
seus colaboradores), p. 197.
21. ______. (As ciências
sociais), p. 198-199.