CONTOS, CASOS E HISTORIAS DE CHICO




"MORRE UM CAPIM, NASCE OUTRO”.

Eram pouco mais de 19h30 de domingo 30 de junho de 2002 ,quando o coração de Chico Xavier parou.
Chico tinha acabado de deitar-se na cama estreita de seu quarto acanhado para mais uma noite de sono. Pouco antes de dormir, ergueu as mãos para o alto, como sempre fazia, e rezou pela última vez.
Chico morreu em casa, como queria, sem dor nem sofrimento.
Poucas horas antes, ele chamou o enfermeiro que sempre o acompanhava. Precisava de ajuda para fazer a barba, mas Sidnei tinha viajado. A reação de Chico, ao saber da viagem, foi rápida e intrigante:
Não vai dar tempo.
Nos últimos dias, a cozinheira da casa, Josiane Alberto, estranhou o comportamento de Chico. Bastava ela trazer um copo de água para Chico agradecer:
Jesus vai te abençoar. Muito obrigado.
Passou a semana agradecendo. Era como se estivesse se despedindo.
Foi esta a sensação que teve o médium César de Almeida Afonso ao visitá-lo na semana anterior.
Agora vieram todos -  Chico disse ao vê-lo, depois de uma sucessão de visitas de outros médiuns.
O líder espírita morreu exatos oito dias antes da data em que seria alvo de uma série de homenagens e comemorações: os 75 anos de sua mediunidade.
Para os amigos mais íntimos, a morte, naquele momento, o poupou de novos desgastes com eventos e compromissos.
Chico planejou, com cuidado, a própria despedida.
Uma de suas principais preocupações era impedir que impostores divulgassem, após sua morte, supostas mensagens  transmitidas por ele. Temia que, em busca de projeção, médiuns se apresentassem como porta-vozes de seu espírito.
Para evitar fraudes, Chico combinou um código secreto com três pessoas de sua confiança: o médico e amigo Eurípedes Tahan Vieira, o filho adotivo Eurípedes Higino dos Reis e Kátia Maria, sua acompanhante nos últimos anos de vida. Três informações deveriam constar da primeira mensagem enviada do além.
Na tarde anterior à própria morte, Chico confirmou o código com Eurípedes Tahan e avisou:
Vocês saberão quem sou eu.
Traduzindo: depois de morto, Chico revelaria um dos seus segredos mais bem guardados: quem ele teria sido na última encarnação. Ele pensou em cada detalhe. Seu corpo deveria ser velado no Grupo Espírita da Prece durante 48 horas, para que todos tivessem tempo de se despedir, sem confusão.
O enterro seria feito no cemitério São João Batista, em Uberaba, a cidade que o acolheu em janeiro de 1959, quando Chico deixou para trás a família e os amigos da cidade natal, a também mineira Pedro Leopoldo.
Foram feitas, é claro, as suas vontades.
Quando a notícia sobre a morte dele se espalhou, fogos de artifício ainda espocavam nos céus de Uberaba e do Brasil. O país festejava a conquista do pentacampeonato da Copa do Mundo de futebol. O jogo decisivo aconteceu na madrugada de sábado para domingo.
Mas a principal notícia em Uberaba logo se tornou Chico Xavier. Repórteres, fotógrafos e cinegrafistas correram para a casa dele. O corpo do médium saiu de casa por volta das 23h30 pelo portão dos fundos rumo ao Grupo Espírita da Prece, o centro fundado por ele em 1975. Aplausos o saudaram na saída de casa e na chegada ao Centro.
Uma fila de admiradores logo dobrou o quarteirão e se prolongou dia e noite, por dois dias. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros foram mobilizados e, de todo canto do país, chegaram os devotos de Chico Xavier.
Mães e pais que perderam filhos e foram consolados por ele; pobres que teriam morrido de fome ou de frio sem a ajuda dos mutirões que ele promovia; espíritas e não-espíritas de todo o país, que aprenderam a ter fé com a ajuda de Chico.
As 48 horas de velório foram suficientes para que as caravanas de ônibus chegassem em paz. A Polícia Militar fez as contas:
2.500 pessoas por hora, em média, se despediram de Chico no Grupo Espírita da Prece. Ao todo, 120 mil pessoas. A fila para ver o corpo atingiu quatro quilômetros e chegou a exigir uma espera de aproximadamente três horas.
Coroas de flores foram enviadas de todo o país por políticos, artistas, admiradores anônimos, enquanto o prefeito decretava feriado na cidade, o Governador anunciava luto oficial por três dias, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso divulgava uma mensagem sobre a importância do líder espírita para o país e para os pobres.
Em frente ao cemitério, uma de suas admiradoras, a florista Isolina Aparecida Silva, atravessou a rua, foi até a cova onde Chico seria enterrado e jogou lá no fundo, sem que ninguém visse, uma carta de agradecimento por tudo o que o médium fez por ela e pelo Brasil.
Isolina, 56 anos, tornou-se devota de Chico aos catorze, quando ele curou a sua enxaqueca crônica apenas com o toque das mãos.
Isolinas de todo o Brasil rezaram para Chico Xavier naqueles dias de despedida e conversaram com ele, nas breves passagens pela beira do caixão, como se Chico estivesse ouvindo cada palavra de saudade e de gratidão.
Na terça-feira 48 horas depois da morte , um carro do Corpo de Bombeiros estacionou em frente ao Grupo Espírita da Prece para transportar o corpo de Chico até o cemitério. Os cinco quilômetros do trajeto demoraram uma hora e meia para serem percorridos.
Mais de 30 mil pessoas acompanharam o cortejo a pé. O trânsito parou e um clima de comoção tomou conta da multidão.
A pedido de Chico, as flores das coroas mais de cem, no total - foram distribuídas a quem acompanhava o corpo.
Na porta do cemitério, o caixão foi recebido com uma chuva de pétalas de 3 mil rosas lançadas de um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal, ao som de músicas como Nossa Senhora, o canto de fé de Roberto Carlos, e Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, canção de protesto de Geraldo Vandré.
O corpo permaneceu na entrada do cemitério mais quarenta minutos antes de ser levado para a sepultura. Chico queria se
despedir de todos. E se despediu como planejou.
Espíritas esperaram por notícias dele nos dias seguintes.
Mas semanas, meses se passaram... e nada. Nenhuma mensagem de Chico Xavier. O "código secreto" nem precisou ser usado.
Seis meses depois, um dos médiuns mais concorridos de Uberaba, Carlos A. Bacceli, fechou os olhos e pôs no papel um livro intitulado Na Próxima Dimensão. O espírito do médico Inácio Ferreira, ex-diretor clínico do hospital psiquiátrico Sanatório Espírita de Uberaba teria ditado o texto a ele.
Inácio, segundo o livro, também esteve no enterro de Chico. Era um dos espectadores "invisíveis" da "passagem" do líder mais importante do país. Durante todo o velório, Chico escreveu Bacceli teria descansado nos braços de Cidália, segunda mulher de seu pai, considerada sua segunda mãe.
"Chico guardava relativa consciência de tudo , descreve o texto.
Uma faixa de luz azul enfeitava o céu e foi se tornando cada vez mais intensa à medida que se aproximava a hora do enterro. Esta luz, segundo Inácio, envolveu Chico e partiu, levando o líder espírita para bem longe, no exato instante em que a multidão entoava a canção Nossa Senhora, em frente ao cemitério.
Uma revelação, publicada no livro, causou alvoroço nos meios espíritas: Chico seria a reencarnação de Allan Kardec. Ele teria vindo à Terra para pôr em prática e "sentir na própria pele" a doutrina desenvolvida e divulgada por ele, em livro, na existência anterior.
Com a publicação do livro, Chico teria cumprido a promessa de revelar quem ele era.
Para quem não acredita em vida depois da morte, os cinco parágrafos acima são mera ficção. Para quem acredita, tudo faz sentido.
Verdade irrefutável mesmo é que Chico, o menino pobre e mulato do interior de Minas, filho de pais analfabetos, se transformou em mito, venerado, idolatrado, atacado, perseguido um ídolo popular.
Foi a história desta metamorfose que decidi contar há dez anos quando desembarquei em Uberaba com uma tarefa ambiciosa: receber um sinal verde do próprio Chico Xavier para escrever sua biografia.
Eu era repórter do Jornal do Brasil, tinha sérias dúvidas sobre questões como vida depois da morte e encarava o líder espírita com o habitual distanciamento jornalístico.
Chico era um mito nacional adorado por milhões de brasileiros e menosprezado por centenas de jornalistas como eu.
Chico Xavier? Não é o Chico Buarque, não? Chico Anysio? Chico Mendes? amigos de redação ironizavam ao saberem do meu projeto: lançar a primeira biografia jornalística de um dos personagens mais idolatrados e polêmicos do país.
Lá fui eu.
Aos 81 anos, atormentado por sucessivas crises de angina, abatido por duas pneumonias graves e castigado por uma catarata crônica, Chico Xavier vivia em repouso e por recomendação médica já não participava de sessões espíritas
há quase nove meses.
Eu teria de contar com o apoio de seu filho adotivo, Eurípedes, para conseguir visitá-lo em casa nas reuniões para poucos amigos aos sábados à noite. Não consegui passar pelo portão. Eurípedes preferiu preservar o pai de qualquer desgaste, e eu decidi iniciar a reportagem sem autorização de ninguém nem do possível biografado.
O primeiro passo: acompanhar uma sessão espírita no Grupo Espírita da Prece, mais conhecido como "o Centro do
Chico".
Era noite de sábado e fazia frio. Dava para contar nos dedos o número de participantes do culto reunidos na casa simples, com piso de cimento e telhas descascadas no teto. Éramos catorze
todos sentados a dois metros de distância da mesa comprida onde, até o ano anterior, Chico Xavier causava comoção ao fechar os olhos e pôr no papel mensagens de mortos a suas famílias na Terra.
Com a ausência de Chico nas sessões dos últimos meses, as multidões do ano anterior reduziram-se até chegarem naquele punhado de gente disposta a acompanhar a leitura do Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, e a análise de temas como compaixão e solidariedade.
Sentei no banco de madeira em frente à mesa ocupada pelos dirigentes da sessão e, minutos depois, levei um susto.
Contra todas as expectativas, Chico Xavier reapareceu no Grupo Espírita da Prece, o corpo franzino arqueado sob um terno mal-ajambrado e o sorriso aberto de quem volta para casa depois de meses de internação.
Ele se sentou à cabeceira, ouviu em silêncio a leitura de textos de Kardec e, em seguida, rezou o pai-nosso com um fio de voz.
Eu não sabia nem como nem por que, mas lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto sem que eu sentisse qualquer emoção especial. Desabavam à minha revelia, aos borbotões, sem nenhum controle.
No fim da sessão, eu me aproximei de Chico e fui direto ao assunto com a desinibição e arrogância típicas dos jovens jornalistas:
- Chico, trabalho no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e vim pedir autorização para escrever sua biografia.
Chico recorreu a um de seus enigmas, tática usada por ele para evitar a indelicada palavra "não":
Deus é quem autoriza.
Continuei no mesmo tom:
E Deus autoriza?
Chico ficou em silêncio dois, três segundos e respondeu com um meio sorriso:
Autoriza.
Era tudo o que eu precisava ouvir. Ou quase tudo. O acesso à casa de Chico, fundamental para a reportagem, foi negado por Eurípedes no dia seguinte. E o tempo começou a correr contra o projeto.
Era preciso voltar ao Rio em breve com o máximo de informações possível.., e o jovem repórter entrou em ação novamente,
com uma tática de emergência.
Liguei para o outro filho adotivo de Chico, Vivaldo, responsável pela catalogação da obra do líder espírita e me apresentei com uma meia verdade:
Vivaldo, sou jornalista e estou escrevendo uma reportagem sobre o seu pai. Você pode me ajudar?
Vivaldo convidou-me para uma visita e, simpático, ajudou- me, sem saber, a vencer o veto da véspera: ele morava em um anexo nos fundos da casa de Chico e foi lá que eu entrei na noite seguinte com gravador e bloco à mão para a primeira entrevista.
Vivaldo tratou de servir café enquanto eu despejava sobre ele as primeiras perguntas -  as mais leves - sobre a obra de Chico Xavier e a responsabilidade dele, Vivaldo, de datilografar, classificar e arquivar os romances e poemas vindos do além.
Eram quase quatrocentos livros e mais de 20 milhões de exemplares vendidos de clássicos como Parnaso de Além-Túmulo
(o livro de estréia) e best sellers como Nosso Lar (o campeão de vendas). Todos, sem exceção, segundo Chico, foram transmitidos a ele por espíritos.
A pauta da conversa estava prestes a entrar nas perguntas mais complicadas sobre a personalidade e a intimidade de Chico
quando uma campainha soou na sala.
- É meu pai. Tá me chamando , Vivaldo pediu licença e se retirou.
Com dificuldades para andar, Chico tinha um interruptor ao lado da cama para acionar os filhos em caso de necessidade ou emergência.
Quando Vivaldo saiu, um calor insuportável tomou conta da minha mão direita: era como se ela estivesse pegando fogo. Uma sensação tão nítida que me fez largar a caneta, saltar do sofá, ir até a porta, girar a maçaneta e correr para o quintal.
Fiquei ali fora sacudindo a mão de um lado pro outro na noite fria até Vivaldo reaparecer.
- Meu pai disse que a sua biografia vai ser um sucesso. Parabéns.
Só deu tempo de eu buscar o gravador e o bloco na sala, me desculpar e desaparecer.
Foi assim, com lágrimas e calores inexplicáveis, que dei os primeiros passos no território de Chico Xavier.
Auto-sugestão? Fenômenos físicos provocados pela aura de um ser iluminado?
São muitas as perguntas sem resposta neste mundo onde vivos e mortos se misturam e espíritos enviam notícias do além por meio de médiuns em mensagens sempre intrigantes.
Trecho de uma delas: "Querida tia Isabel, se puder, não deixe a vovó chorar tanto nem a minha Mãezinha Gilda continuar tão aflita por minha causa. Estou vivo, mas preciso desembaraçar-me das prisões de casa para conseguir melhorar."
A carta é assinada por Antônio Carlos Escobar, jovem de 22 anos, morto dias antes.
Ao longo de todo o texto, o "espírito" cita nomes e sobrenomes de família de vivos e de mortos: "Estou aqui com o meu avô Primitivo Aymoré e com minha avó Isabel Rôa Escobar...".
A mensagem saiu das mãos de Chico Xavier, em sessão pública em Uberaba, arrancou lágrimas da mãe de Antônio Carlos, Gilda, e provocou o mesmo efeito nas pessoas reunidas no Grupo Espírita da Prece: o de reforçar a fé num dos dogmas do espiritismo: o de que existe, sim, vida depois da morte.
Como duvidar da autenticidade de um texto pontuado por tantos nomes e sobrenomes só conhecidos pela família do morto?
Como duvidar de Chico Xavier?
Fenômenos como estes se repetiram milhares de vezes ao longo dos 74 anos de atividade mediúnica do líder espírita.
Quando Chico completou 70 anos - no dia 2 de abril de 1980 -já eram 10 mil as cartas de mortos a suas famílias psicografadas por ele, segundo sua assessoria. E já eram também 2 mil as instituições de caridade fundadas, ajudadas ou mantidas graças aos direitos autorais dos livros vendidos ou das campanhas beneficentes promovidas por Chico Xavier.
Porta-voz de Deus? "Uma besta encarregada de transportar documentos dos espíritos" Chico reagia.
Um iluminado? "Não. Uma tomada entre dois mundos" minimizava.
Chico Xavier, o apóstolo? "Nada disso. Cisco Xavier" -  ele transformava o nome em trocadilho quando já era idolatrado por caravanas de fiéis e curiosos vindos de todo o Brasil e indicado ao Prêmio Nobel da Paz em campanha nacional embalada por mais de 2 milhões de assinaturas de adesão em 1981.
"Sou um nada. Menos do que um nada", repetia, para se defender de tanto assédio e evitar uma armadilha perigosa: a vaidade.
Com a bênção de Chico, os centros espíritas kardecistas se multiplicaram (hoje já são mais de 5 mil) e formaram uma rede de solidariedade ativa no Brasil. Por estatuto, cada centro deve divulgar o Evangelho, promover sessões públicas (sempre gratuitas) e, o mais importante, prestar serviços à comunidade.
"Ajudai-vos uns aos outros" era o remédio receitado por Chico para todos os males. "Ajude e será ajudado", ele aconselhava aos desesperados e seguia à risca a própria receita.
Ao longo dos 92 anos de vida - 74 deles dedicados a servir de ponte entre vivos e mortos -, Chico escreveu 412 livros, vendeu quase 25 milhões de exemplares e doou toda a renda, em cartório, a instituições de caridade:
Os livros não me pertencem. Eu não escrevi livro nenhum. "Eles" escreveram.
Em fevereiro do ano 2000, Chico foi eleito o Mineiro do Século em votação que mobilizou a população de todo o estado de Minas Gerais e o consagrou, mais uma vez, como fenômeno popular. Couberam a ele exatos 704.030 votos o suficiente para derrotar concorrentes poderosos como Santos Dumont (segundo colocado), Pelé, Betinho, Carlos Drummond de Andrade e Juscelino Kubitschek (o sexto colocado).
Recluso, doente, afastado dos holofotes, Chico continuava vivo, firme e forte, na lembrança do público.
No ano seguinte, ele foi internado com pneumonia dupla, em estado grave, num hospital de Uberaba. Ao gravar imagens da fachada do prédio, um cinegrafista registrou uma aparição inusitada: um ponto luminoso vindo do céu se deslocou em alta velocidade na direção da janela do quarto onde Chico estava.
O médico Eurípedes Tahan Filho acompanhava o paciente e diagnosticou: logo depois desta aparição, o quadro clínico de Chico mudou. "A febre desapareceu, a respiração melhorou e ele ficou mais alerta." Dois dias depois, Chico teve alta.
As imagens foram exibidas no programa Fantástico, da Rede Globo, logo após a morte do médium. Reflexo na lente da câmera? Fraude? Ajuda espiritual? Milagre? Engenheiros entrevistados descartaram a hipótese de fraude e não conseguiram explicar a origem da luz. Mais um mistério em torno de Chico.
Numa das poucas conversas que tive com ele, depois de vencer as resistências iniciais, toquei num tema delicado: sua sucessão. Haveria um novo Chico Xavier?
Chico encerrou o assunto:
- "Morre um capim, nasce outro".
Ele falava sério.
(Trecho do livro As Vidas de Chico Xavier - Autor: Marcel Souto Maior)

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O menino mal-assombrado

O pai, João Cândido Xavier, balançava a cabeça e resmungava. É louco.
A madrinha, Rita de Cássia, reagia às alucinações do menino com golpes de vara de marmelo. Entre uma surra e outra, enterrava garfos na barriga do afilhado e berrava:
Este moleque tem o diabo no corpo.
Nem o padre Sebastião Scarzello conseguiu fazer de Chico Xavier um garoto "normal".
Após as confissões, preces e penitências, Chico tagarelava com a mãe já morta, via hóstias cintilantes na comunhão, escrevia na sala de aula textos ditados por seres invisíveis e tornava-se, assim, o assunto mais exótico da cidade. Na empoeirada e católica Pedro Leopoldo,a 35 quilômetros de Belo Horizonte, era difícil encontrar quem apostasse na sanidade de Chico Xavier.
Para espantar o diabo e pagar os pecados, o garoto seguia à risca as receitas paroquiais. Chegou a desfilar em procissão com uma pedra de quinze quilos na cabeça e a repetir mil vezes seguidas a ave-maria. Rezava e contava. Não foi fácil. Um espírito desocupado fazia caras e bocas para atrapalhar seus cálculos. Na igreja, assombrações flutuavam sobre os bancos e beijavam os santos.
Chico divulgava estas e outras histórias do outro mundo para os adultos. Resultado: mais surras e mais risco de ser transferido de Pedro Leopoldo para Barbacena, a capital dos hospícios.
João Cândido estudava com carinho a hipótese de internar o filho. Uma idéia antiga.
A Primeira Guerra Mundial começava a assombrar o mundo, e Chico já estava às voltas com fantasmas. Uma noite, seu pai conversava com a mulher, Maria João de Deus, sobre o aborto sofrido por uma vizinha, e desancava a moça. O filho interrompeu o julgamento e, do alto de seus quatro anos, proferiu a sentença;
O senhor está desinformado sobre o assunto. O que houve foi um problema de nidação inadequada do ovo, de modo que a criança adquiriu posição ectópica.
Naquela casa pobre de Pedro Leopoldo, a frase soava tão fora de propósito quanto à notícia de que, na longínqua Europa, a Alemanha acabava de declarar guerra à Rússia.
João Cândido arregalou os olhos e balbuciou:
O que é nidação? O que é ectópica?
Chico não sabia. Tinha repetido palavras sopradas por uma voz.
Os amigos da família Xavier, aqueles que desconheciam O discurso médico feito pelo menino aos quatro anos, arriscavam uma explicação para as alucinações de Chico: a morte da mãe, quando ele tinha cinco anos. Maria João de Deus foi embora cedo demais e, ao se despedir, deixou em casa um garoto ao mesmo tempo magoado e impressionado. Pouco antes de morrer, ela pediu ao marido que distribuísse os nove filhos pelas casas de amigos e parentes. Só assim João Cândido, vendedor de bilhetes de loteria, conseguiria viajar pelas cidades vizinhas em busca de dinheiro.
No pé da cama onde a mãe agonizava, atormentada por crises de angina, Chico cobrou:
- Por que a senhora está dando seus filhos para os outros? Não quer mais a gente, é isso?
Maria explicou que iria para o hospital e garantiu com voz firme:
Se alguém falar que eu morri, é mentira. Não acredite. Vou ficar quieta, dormindo. E voltarei.
Chico acreditou. No dia seguinte, a mãe morreu e João Cândido entregou à madrinha, Rita de Cássia, um menino com idéias estranhas.
Depois do enterro de Maria João de Deus, em 29 de setembro de 1915, o garoto teve que esticar as pernas para acompanhar a madrinha. Na volta do cemitério, ela não encurtou os passos para andar de mãos dadas com o afilhado, como fazia a mãe dele. Ofegante. O menino alcançou Rita, mas o esforço foi um desperdício. Sua mão ficou balançando a procura dos dedos da madrinha.
Ainda hoje sinto no braço a sensação do vazio, da procura inútil lamentou Chico, 65 anos depois, já conformado.
Foi minha educadora.
Se a dor ensina, Rita de Cássia foi mesmo uma professora exemplar. Chico Xavier recebeu aulas diárias durante os dois anos em que morou com ela e o marido, o comerciante José Felizardo Sobrinho, sempre ausente. Logo nos primeiros dias, enfrentou o primeiro teste. Bastou uma ida ao banheiro para encontrar, na volta, a cama ensopada de urina. A madrinha perguntou o que tinha acontecido. Chico, sem culpa no cartório e com a cabeça cheia de sermões católicos, nem titubeou. Jogou a culpa no diabo.
A surra foi demorada. Ele nem imaginava, mas o responsável pela sujeira tinha sido seu vizinho de cama, Moacir, de doze anos,sobrinho tratado como filho por Rita.
O garoto tinha derramado um penico sobre o lençol.
Chico apanhava e queria rezar. Aos cinco anos, já sabia o pai-nosso de cor. Foi criado em meio a preces. Quando ele tinha dois anos, Maria João de Deus já apontava o céu estrelado e dizia:
Foi Deus quem fez tudo isso.
Às vezes, exibia um retrato de Jesus e alertava:
A maior ofensa que podemos fazer à nossa consciência é negar a existência de Deus. A mãe reunia os filhos para a oração da noite, confessava aos sábados, comungava aos domingos.
Na casa da madrinha, as rezas eram raras e as surras, fartas.
Numa delas, Rita se empolgou e enfiou com força demais o garfo na barriga do afilhado. A ferida demorou a cicatrizar e, para evitar o atrito da pele com a roupa, a madrinha obrigou o menino a usar uma espécie de camisola conhecida como mandrião, vestida por meninas e confeccionada com tecido de ensacar farinha. Para piorar, o pano ainda tinha listras azuis. Os vizinhos se divertiram com a fantasia. Nos anos 50, foi apontado por alguns amigos como o precursor da moda saco, um sucesso na época.
O menino não conseguia achar graça. Chorava muito e só tinha sossego quando a madrinha tomava o rumo da estação para ver o trem de luxo passar. Ela adorava admirar os passageiros da primeira classe. Tão chiques, tão  “belle époque”.
Numa das escapadelas de Rita, Chico correu para o quintal e se ajoelhou embaixo de uma bananeira. Repetia o pai-nosso quando, de repente, viu na sua frente Maria João de Deus. Até que enfim. Ela cumpriu o prometido. Adeus surras e garfos. Chico se agarrou à recém-chegada e pediu socorro.
Carregue-me com a senhora, não me deixe aqui, eu estou apanhando muito.
A aparição desfez as ilusões do desesperado.
- Tenha paciência. Quem não sofre não aprende a lutar. Se você parar de reclamar e tiver paciência, Jesus ajudará para que estejamos sempre juntos.
Em seguida, evaporou. Chico ficou ali, no quintal, sozinho, gritando pela mãe. Daquele dia em diante, apanhou calado, sem chorar, para desespero da madrinha, que adotou um novo grito de guerra:
Além de louco, é cínico.
O menino se defendia da acusação com um argumento absurdo. Toda vez que suportava as surras em silêncio, com paciência, via sua mãe. A vara de marmelo zunia, Chico engolia o choro e depois se refugiava no quintal para ouvir os surrados conselhos maternos: era preciso sofrer resignado, era fundamental obedecer sempre, porque logo um anjo bom apareceria para ajudá-lo. O menino ficava esperando.
Numa tarde, a "educadora" Rita de Cássia brindou o aluno com uma prova surpresa.
Moacir, primo de Chico, apareceu com uma ferida na perna esquerda. Fleming ainda não tinha descoberto a penicilina e o machucado não cicatrizava. A madrinha, preocupada com o sobrinho, mandou chamar dona Ana Batista, uma benzedeira de Matuto, hoje Santo Antônio da Barra, cidade vizinha de Pedro Leopoldo. A curandeira examinou o ferimento e aviou a receita. Só uma simpatia daria jeito.
Uma criança deve lamber a ferida três sextas-feiras seguidas, pela manhã, em jejum.
- Chico serve? perguntou a madrinha.
O garoto ficou em pânico. Correu para debaixo das bananeiras e ouviu o repetido conselho materno:
Você deve obedecer. Mais vale lamber feridas que aborrecer os outros. Você é uma criança e não deve contrariar sua madrinha.
E isso vai curar o Moacir?
Não, porque não é remédio. Mas dará bom resultado para você, porque a obediência acalmará sua madrinha.
Chico perdeu a paciência. Por que sua mãe não voltava para casa? Onde estava o tal anjo bom? A aparição acalmou o menino:
Seja humilde. Se você lamber a ferida, faremos o remédio para curá-la.
No dia seguinte, pela manhã e em jejum, Chico iniciou a missão. Fechava os olhos, pedia forças à mãe e lambia a perna do garoto. O gosto era amargo e ele só queria ter a língua maior para acabar logo com o suplício. Na terceira sexta-feira, o ferimento estava cicatrizado. Pela primeira vez, Rita de Cássia elogiou o afilhado:
Muito bem, Chico. Você obedeceu direitinho. Louvado seja Deus.
O menino não sabia, mas passaria a vida lambendo feridas alheias.
As aulas na casa de Rita de Cássia terminaram dois meses depois, quando João Cândido Xavier se casou com Cidália Batista. A primeira medida da mulher foi recolher os nove filhos do primeiro casamento do marido, dispersos pelas casas de parentes e amigos.
Chico chegou por último. Quando apareceu, enfiado num camisolão, foi recebido com curiosidade por Cidália. Ela reparou na barriga inchada do menino e tentou levantar sua roupa para examinar o abdômen. Não conseguiu. Chico, então com sete anos, se desvencilhou, tímido. Havia gente demais em volta.
Cidália o pegou pela mão e o tirou da sala, a passos lentos, no ritmo de Maria João de Deus. A sós, a mulher de João Cândido levantou o camisolão do garoto e levou um susto ao deparar com a ferida aberta a garfadas.
Enquanto eu viver, ninguém mais vai pôr as mãos em você.
Diante da promessa, Chico teve certeza: aquele era o tal anjo anunciado pela mãe.
Após reunir as crianças, Cidália decidiu colocá-las no colégio. Não seria nada fácil, O salário mal dava para o indispensável. Como comprar caderno, lápis, livros?
Pediu a ajuda de Chico. Plantaria uma horta, e ele venderia os legumes.
O menino abriu um sorriso e arregaçou as mangas. Sempre descalço, carregou baldes com água, encheu balaios com esterco colhido no campo e, em poucas semanas, já percorria as ruas da cidade com um cesto de verduras a tiracolo. Cada maço de couve ou cada repolho valia um tostão. Até dezembro de 1918, de tostão em tostão, eles conseguiram juntar 32 mil-réis. Em janeiro, Chico já estava matriculado no Grupo Escolar São José.
Mas as alucinações persistiam. O menino se levantava da cama no meio da noite, batia papo com fantasmas e, muitas vezes, estragava o café da manhã do pai com notícias de parentes mortos e descrições de viagens por cenários fantásticos. Cidália escutava, não entendia, mas jurava acreditar no garoto.
Um dia, quem sabe, vai aparecer alguém que entenda você e explique suas visões e as vozes que você escuta - dizia para Chico. Masela estava preocupada. O menino deveria poupar o pai de suas histórias. Para ele, o filho estava mesmo endemoniado. Talvez Deus desse um jeito. João Cândido levou o "aluado" até o padre Sebastião Scarzello.
O menino ajoelhou-se no confessionário e desfiou seu rosário de histórias mirabolantes. Nas missas, pela manhã, figuras reluzentes transformavam as hóstias em focos de luz e defuntos conhecidos de Pedro Leopoldo reapareciam com rosas nas mãos.
Contra delírios tão estapafúrdios, só mesmo uma saraivada de rezas, uma série de novenas pelo descanso dos mortos e muito trabalho. Foi o padre Scarzello quem livrou o menino do risco de ser internado como louco. A salvação não veio com as mil ave- marias ou com as pedras equilibradas na cabeça por Chico durante as procissões. Veio com o salário.
A fábrica de tecidos estava empregando crianças para o turno da noite e o padre aconselhou Chico a se candidatar à vaga. Só assim o pai tiraria aquela idéia da cabeça. Melhor um filho com dinheiro para ajudar em casa do que um maluco hospitalizado.
Com nove anos, Chico começou a trabalhar como tecelão. Entrava às 3h da tarde, saía à 1h da manhã, dormia até as 6h, ia para a escola, saía às 11h, almoçava, dormia uma hora depois do almoço, entrava de novo na fábrica. Nem parecia aquele menino mal-assombrado. Era só fachada.
Depois do trabalho, corria para o quintal. Ia conversar com Cidália, sempre debruçada sobre a roupa suja no tanque. Nesses encontros, ele costumava enxergar, próximas ao varal, figuras cobertas com mantos coloridos. Perguntava à segunda mãe quem era aquela gente e ficava sem resposta.
Um dia, o garoto arriscou uma tese, baseado na profusão de azuis, vermelhos, verdes e amarelos.
Acho que eles moram no arco-íris.
Cidália desconversava:
Sou muito ignorante, mas acredito em você. Só não entendo direito.
O padre Scarzello decidiu ser mais rigoroso e aconselhou o pai a afastar Chico da má influência dos livros, revistas e jornais.
João fez uma fogueira com as páginas proibidas. Inconformado com o pai e o padre, Chico recorreu à mãe invisível.
- Eles estão contra mim. Acham que estou perturbado.
Ouviu mais um conselho:
Aprenda a calar-se. Quando se lembrar, por exemplo, de alguma lição ou experiência recebida em sonho, fique em silêncio. Mais tarde talvez você possa falar.
Chico calou-se. Restringíu seus desabafos à confissão. Azar dele. O padre Scarzello decidiu, a pedido do pai do menino, ter uma conversa mais dura com o garoto.
E renegou os pretensos bate-papos entre Chico e a mãe.
Ninguém volta a conversar depois da morte. O demônio procura perturbar-lhe o caminho.
- Mas, padre, foi minha mãe quem veio.
Foi o demônio.
À noite, depois de muito choro, Chico sonhou que encontrava Maria João de Deus. Foi a segunda despedida deles. A mãe lhe cobrou obediência a João Cândido e ao padre, pediu que não brigasse por sua causa e avisou que sumiria de vista.
Chico acordou sacudido por soluços e enxugou os olhos, resignado. Só a veria de novo sete anos depois.
Na escola, fatos estranhos aconteciam. Muitas vezes, o menino sentia mãos inexistentes sobre as suas, guiando seus movimentos. Os colegas se chateavam com as visões do filho de João Cândido e, durante o recreio, tentavam colocar, a socos e pontapés, um pouco de juízo naquela cabeça dura. Intimidado, Chico abriu mão do descanso entre as aulas.
Em 1922, o país comemorava o centenário da Independência. O governo de Minas instituiu vários prêmios de redação para alunos da quarta série primária. Chico estava prestes a começar o texto quando viu um homem a seu lado ditando o que ele deveria escrever. Perguntou ao companheiro de banco se ele estava vendo algo. O colega negou.
Chico pediu licença à professora, Rosária Laranjeira, uma católica fervorosa, aproximou-se do estrado onde ela ficava e lhe contou o que estava acontecendo.
O que o homem está mandando você escrever?
Chico repetiu a frase:
O Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral, pode ser comparado ao mais precioso diamante do mundo, que logo passou a ser engastado na coroa portuguesa...
Dona Rosária disse que não era nada normal que ele visse pessoas que ninguém via, garantiu que ele deveria estar ouvindo a si mesmo e mandou-o de volta à carteira.
Não importava se o texto fosse ditado ou não por algum homem invisível. O importante era concluí-lo.
Algumas semanas depois, a Secretaria de Educação de Minas divulgou os resultados do concurso, disputado por milhares de estudantes. Chico Xavier, de Pedro Leopoldo, recebeu menção honrosa. A turma ficou dividida, Colegas espalharam o boato de que o garoto tinha copiado o trecho premiado de um livro qualquer. Outros, a minoria,  apostaram nos dons, mediúnicos ou literários, do amigo. Os grupos se formaram e alguém, na sala, lançou o desafio. Se o texto dele foi ditado por alguma pessoa do outro mundo, por que esse homem não reaparecia para escrever sobre algum assunto proposto pelos colegas?
No exato momento do desafio, Chico viu a assombração pronta para escrever e comunicou o fato à professora. Ela resistiu à idéia, mas a pressão dos colegas foi mais forte. Enquanto Chico caminhava até o quadro-negro, uma das alunas, Oscarlina Lerroy, propôs o assunto: areia.
- Tenho carregado muita areia para ajudar meu pai numa construção.
As gargalhadas ecoaram na sala. O tema era insignificante, ridículo. Chico pegou o giz. Silêncio absoluto. Palavras inusitadas se arrastaram pelo quadro-negro: "Meus filhos, ninguém escarneça da criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina refletindo o sol de Deus". Após o espetáculo, dona Rosária proibiu qualquer comentário na sala de aula sobre pessoas invisíveis.
Chico concluiu o primário em 1923, após repetir a quarta série. A repetência não foi provocada por falta de estudo, mas de saúde. O menino enfrentava problemas respiratórios. Seu pulmão sofria com a poeira do algodão na fábrica de tecidos. A professora se apegou tanto a ele que, quando foi transferida para Belo Horizonte, pediu a João Cândido para levar o garoto com ela. O pai não autorizou. Precisava do salário de Chico.
No ano seguinte, por recomendação médica, o garoto trocou a tecelagem pelo Bar do Dove, de Claudomiro Rocha. Varria o chão, lavava a louça, cozinhava e continuava mal-assombrado. Quando já tinha quinze anos, pediu socorro ao padre Scarzello. Em meio a uma crise de choro, Chico se queixou do assédio incessante de um espírito sofredor. O padre, impressionado com a devoção do rapaz a Jesus, lhe disse para não se desesperar com as vozes e visões.
Se elas vieram da parte de Deus, ele irá te abençoar e te dar forças para fazer o que deve ser feito.
Após o discurso, saiu com o garoto da igreja e lhe comprou um par de sapatos. Chico deixou de andar descalço.
O salário do Bar do Dove era miserável e, depois de dois anos de dificuldades, o garoto se mudou para o armazém de José Felizardo Sobrinho, o ex-marido de Rita de Cássia, já morta e substituída por Júlia Antônia de Carvalho. Com um facão afiado na mão, o garoto estava sempre pronto a cortar toucinho para o freguês e ficava feliz da vida quando o patrão vendia fiado. Atrás do balcão, pesava o arroz, cortava a lingüiça, arrumava as prateleiras. Atendia a todos, paciente, das 6h30 da manhã às 8h da noite. No final do mês, recebia 13 mil-réis. Uma ninharia. Mas não reclamava. Seu único drama era vender cachaça. O sujeito bebia e Chico tinha que carregar.
Nessa época, ele fez amizade com a nova mulher de Felizardo. Bordava com ela e ensaiava, a seu lado, pinceladas sobre panos presos a arcos de madeira. Namoradas? Nenhuma. Só se permitia arroubos apaixonados por encomenda, quando, a pedido dos amigos, escrevia cartas de amor às namoradas deles. O rapaz era esquisito mesmo.
Comungava, confessava, ia à missa, acompanhava procissões e trabalhava muito. Além do normal.
Em 1927, uma das irmãs de Chico, Maria Xavier, ficou doente. Delirava, arregalava os olhos, se contorcia, suava frio, urrava impropérios. Médico nenhum deu jeito. A situação era tão dramática que João Cândido decidiu passar por cima do padre e apelar para um casal de amigos espíritas. Foi até a Fazenda de Maquiné, em Curvelo, a cem quilômetros de Pedro Leopoldo, e voltou de lá com José Hermínio Perácio e sua mulher Carmem.
Pela manhã, em 7 de maio de 1927, o casal atacou com passes e rezas a doença: um "espírito obsessor". Chico acompanhou o ritual e participou, assim, de sua primeira experiência no espiritismo. Nesse dia, recebeu de José Hermínio Perácio explicações sobre os fantasmas que o cercavam desde menino, foi apresentado ao Evangelho Segundo o Espiritismo e ao O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e conheceu uma palavra-chave: mediunidade. O médium seria um intérprete dos espíritos na Terra.
A irmã melhorou e, no dia seguinte, embarcou com José Hermínio e Carmem para a fazenda deles. Precisava de tratamento prolongado. Na mesma semana, Chico voltou à igreja. Mas apenas para se despedir do padre. Mais uma vez, se ajoelhou no confessionário e contou tudo: o tratamento da irmã, sua melhora, a sessão de passes, as idéias de Kardec, sua intenção de se dedicar à mediunidade. Scarzello disse que não conhecia o espiritismo e, por isso, não podia julgar. Sabia apenas que a Igreja rejeitava o espiritismo e que Chico era jovem demais para assumir compromissos e tomar decisões. O rapaz estava irredutível e o padre ficou em silêncio.
Chico não queria deixar o ex-confessor contrariado e pediu a ele sua mão. O padre estendeu a mão direita. Depois de beijá-la, o ex-católico fez mais um pedido. Queria ser abençoado. Scarzello atendeu.
Seja feliz, meu filho. Rogarei à Mãe Santíssima para que te abençoe e proteja.
Chico levantou-se e saiu. Quando chegou à porta, olhou para trás. O padre o acompanhava com os olhos e sorria. Nunca mais se viram. No dia 21 de junho de 1927, Chico já ajudava na fundação do primeiro centro espírita da cidade, num barracão onde morava o irmão dele, José Xavier. O dono da casa assumiu a presidência, Chico ficou como secretário e seu patrão, José Felizardo, virou tesoureiro. Faltava o nome do centro. Todos pensaram, pensaram e decidiram: Luiz Gonzaga. Uma homenagem ao aviador Charles Lindbergh, que tinha atravessado o oceano Atlântico, sem escalas, a bordo de seu avião, o Spirit ofSt. Louis.
Ninguém ali sabia, mas o piloto quis homenagear, com o nome da aeronave, o rei da França e não São Luiz Gonzaga. De qualquer forma, o batismo do centro não foi tão despropositado assim. O monarca francês tinha protegido Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita, no século passado e, portanto, merecia algum respeito.
Em julho, menos de três meses após a primeira sessão de rezas e passes, a irmã de Chico voltou para casa sã e salva. Na noite do dia 8 de julho, todos se reuniram para agradecer a cura. Carmem Perácio, que acompanhou Maria Xavier até Pedro Leopoldo, participou da sessão e ouviu uma voz aconselhando Chico a tomar o lápis.
Ele obedeceu e, de repente, se sentiu fora de seu corpo. As paredes desapareceram, o telhado se desfez e, no lugar do teto, ele viu            estrelas.Olhando em volta, notou uma assembléia de "entidades" que o fitavam. Para ele, eram os habitantes do arco-íris. Naquela noite, Chico preencheu dezessete páginas. Sem rasuras, sem borracha, em velocidade. Quem assinou foi um "amigo espiritual". Quando o rapaz pôs o ponto final tinha as pernas trêmulas e o coração acelerado.
Dois dias depois, Carmem e o marido convidaram Chico a passar uns dias na fazenda. Eles rezavam quando Carmem, mais uma vez, ouviu uma voz suave. Era um tal de Emmanuel, "amigo espiritual" de Chico. Depois do som, veio a imagem. Um jovem imponente, com vestes sacerdotais e aura brilhante.
- Irmã, fale ao Chico para ele tomar papel e lápis.
Chico Xavier não viu nem ouviu nada. Buscaram o material, ele segurou o lápis e as frases começaram a se espalhar pelas páginas. No texto, referências ao tratamento da irmã, detalhes sobre a vida dos irmãos e um recado pessoal: "Eis que nos achamos juntos novamente. Os livros à nossa frente [O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos] são dois tesouros de luz. Estude-os, cumpra seus deveres e, em breve, a bondade divina nos permitirá mostrar a você seus novos caminhos". A assinatura não era de Emmanuel, mas de Maria João de Deus. Após sete anos de ausência, ela dava novos sinais.
No fim daquele ano, havia muitos candidatos à mediunidade no Centro Luiz Gonzaga. Uns queriam receber recados do além, outros estavam loucos para incorporar espíritos.
O entusiasmo era contagiante quando, em outubro, desembarcaram em Pedro Leopoldo quatro moças ensandecidas, todas filhas de Rita Silva. Vinham da região de Pirapora.
A mãe estava desesperada. E não era para menos: o quarteto se mordia, se debatia, gritava. Uma das vítimas precisou ser acorrentada para chegar até ali inteira.
Chico, mais uma vez, lançou sobre o papel mensagem assinada por Maria João de Deus: "Meus amigos, temos desejado o trabalho e o trabalho nos foi enviado por Jesus.
Nossas irmãs doentes devem ser amparadas aqui no centro. A fraternidade é a luz do espiritismo. Procuremos servir com Jesus".
Era uma noite de segunda-feira. Quando chegou a reunião de sexta, sobraram na sala José, Chico e as loucas. Mais ninguém. Eles rezaram, rezaram, leram o Evangelho, tentaram conversar com os "obsessores", ou melhor, com as assombrações responsáveis pelos tormentos das coitadas, e nada. O tratamento seria longo.
Numa das noites, a situação piorou. José teria que viajar a serviço -  era seleiro -  e, para não deixar Chico sozinho com as moças "obsediadas", pediu ajuda a um recém-chegado, o Manuel. Segundo os vizinhos, ele era capaz de acalmar os espíritos das trevas. O forasteiro aceitou o convite e, na hora combinada, apareceu no Centro Espírita Luiz Gonzaga armado com uma Bíblia puída.
A sessão começou pacífica. Como sempre, depois das preces, Chico emprestou seu corpo aos habitantes do além. Primeiro, veio um "espírito amigo" para orientar Manuel:
Quando o perseguidor se apossar do médium, aplique o Evangelho com veemência.
Não demorou muito e um novo visitante do outro mundo apareceu. Estava descontrolado. Manuel nem pensou duas vezes. Tomou a Bíblia e bateu com ela muitas vezes sobre a cabeça de Chico, gritando, irritado:
- Pois tome Evangelho, tome Evangelho.
O tal espírito perseguidor desapareceu, a sessão foi encerrada e Chico sofreu violenta torção no pescoço. Mais tarde, ele se divertiria com a história, certo de que foi uma das poucas pessoas no mundo a levar surra de Bíblia. Só com muito custo, após muita reza, as quatro irmãs voltaram para casa sem a companhia de assombrações.
As histórias se espalhavam, viravam lenda. De Belo Horizonte, começavam a aparecer curiosos. Um deles, em um carro novo em folha, estacionou perto de Chico e perguntou ao rapazola de calças curtas onde morava o tal Chico Xavier. O rapaz ficou sem graça. Teria que decepcionar o forasteiro.
Sou eu.
O visitante encarou os sapatos puídos e enlameados do rapaz, engatou a primeira e acelerou após se despedir:
- Se você não arrumou nem pra você, imagine pra mim.
No final do ano, em 29 de outubro de 1928, o Centro
Espírita Luiz Gonzaga mudou de endereço: saiu do barracão de José Xavier e se espalhou por uma sala alugada na casa de José Felizardo Sobrinho. Ganhou até um novo estatuto. Quem assinou a "ata de instalação" foi o secretário Francisco Xavier:
Aos vinte e nove de outubro de mil novecentos e vinte e oito, às oito horas da noite, foi reorganizado o Centro Espírita Luiz Gonzaga. Ficou decidido entre todos os presentes que ficasse estabelecida a mensalidade de um mil-réis e que fosse alugado a vinte mil-réis mensais o salão da residência do senhor José Felizardo Sobrinho para que aí fique instalada a sede interina da associação...
A programação no centro seria intensa. Às segundas, quartas e sextas-feiras, sessões públicas de estudo e divulgação da doutrina "espírita-cientifica-cristã". Às quintas, sessões privadas e de caridade. "Para todos os efeitos, firmo a presente ata que assino".
Menos de três meses depois, em 18 de janeiro de 1929, uma sexta-feira, Carmem Perácio viu cair do teto, após a sessão evangélica, uma chuva de livros sobre a cabeça de Chico. Contou a visão ao rapaz e ele tratou de dispensar o presente dos céus.
Não mereço que os espíritos me tragam lírios.
Não entendeu direito. Mais uma vez, não viu nem ouviu nada.
Logo ele começou a cobrir páginas e páginas com poemas. Alguns ele assumia como seus. Como o dedicado ao amigo José Tosta, logo após a morte dele, em 27 de abril de 1929. A primeira estrofe estava longe de ser divina:
"Companheiro que à Pátria regressaste/ entre auréolas de luzes majestosas/ a levar tantas flores perfumosas/ a Jesus, tanto amor, que tanto amaste". Nessa época, ele ainda era o "poeta espírita que desabrocha em Pedro Leopoldo", como definiu Pereira Guedes, um dos divulgadores do espiritismo que o ajudaram a se lançar.
Os melhores poemas escritos por Chico eram obras sem dono. O poeta negava a autoria dos versos. Eles apareciam quando o rapaz, aflito, sentia uma pressão na cabeça como se um cinto de chumbo comprimisse seu cérebro - e um peso no braço direito, como se ele se transformasse numa barra de ferro e fosse arrastado por forças poderosas.
Os textos se acumulavam anônimos e repetiam a mesma cartilha: amor, compreensão, tolerância.
Os companheiros do centro liam a papelada e sugeriam a publicação. Só havia um problema. Quem assinaria as obras? Chico consultou o irmão, José Cândido, e eles decidiram pedir conselhos ao diretor do jornal espírita carioca Aurora, Inácio Bittencourt. O jornalista convenceu o rapaz de Pedro Leopoldo a colocar seu nome embaixo dos poemas. "F. Xavier" começou a aparecer em várias publicações com o consentimento dos escritores invisíveis.
Chico nunca se esqueceu de como o soneto "Nossa Senhora da Amargura" chegou às suas mãos e se espalhou pelo papel. Uma noite, ele rezava quando viu aproximar-se uma jovem reluzente. Pediu papel e lápis e começou a escrever. A aparição chorava tanto que Chico começou a se debulhar em lágrimas também. No final das contas, ele já não sabia se os seus olhos eram os dela ou vice-versa.
Muito mais tarde identificaria a dona daquelas pupilas: a poeta Auta de Souza, do Rio Grande do Norte, que morreu em 1901, com 24 anos. Na época, ele assinou embaixo F. Xavier - e se sentiu culpado quando recebeu de um crítico português uma carta recheada de pontos de exclamação e adjetivos entusiasmados.
Recebi elogios por um trabalho que não me pertencia.
Em 1931, Chico já não sentia a pressão alucinada na cabeça nem o enrijecimento doloroso no braço. Tinha aprendido a se entregar, a não criar resistência. Às vezes, um volume imaterial aparecia diante de seus olhos e era dali, daquelas páginas invisíveis, que Chico copiava os textos do outro mundo. Em outras ocasiões, escrevia como se alguém lhe ditasse as mensagens e, enquanto colocava as palavras no papel, experimentava no braço a sensação de fluidos elétricos e, no cérebro, vibrações indefiníveis. De vez em quando, esse estado atingia o auge e Chico perdia a sensação do próprio corpo. Sem medo, já podia ser o instrumento passivo dos mortos-vivos.
Um feiticeiro. Um maluco incapaz de separar o sonho da realidade. Os rumores persistiam na cidade. Um padre de Belo Horizonte fez um discurso inflamado na igreja de Pedro Leopoldo contra o espiritismo e encerrou o sermão mandando Chico Xavier para o inferno. O rapaz, impressionado, correu para o colo invisível da mãe, contou seu drama e ouviu dela o muxoxo:
- E daí? Ele te mandou para o inferno, mas você não vai. Fique na Terra mesmo...
Poucas semanas depois, um intelectual, também de Minas, desembarcou na cidade. Chico vestiu sua melhor roupa e, com a pasta de poemas debaixo do braço, foi levado por um amigo até o forasteiro. O literato passou os olhos pelos versos, classificou tudo como "bobagem" e, com os olhos fixos no autor, encheu a boca:
- Este rapaz é uma besta.
O amigo de Chico defendeu a inteligência dele, sua dedicação aos espíritos, seu cuidado com os poemas vindos do outro mundo. O intelectual reviu seu julgamento.
É uma besta espírita.
Chico, inconformado, buscou abrigo, mais uma vez, sob as saias de Maria João de Deus.
Viu como eu fui insultado?
Ouviu mais um muxoxo materno:
Não vejo insulto algum. Acho até que você foi muito honrado. Uma besta é um animal de trabalho. E é valioso e útil, a serviço do espiritismo, quando não dá coices.
Preocupado com a própria "rebeldia" e em estado de depressão, Chico teve mais uma visão. Um burro teimoso atrelado a uma carroça carregada de documentos puxava a carga e encarava com inveja os companheiros livres no pasto. De vez em quando, enquanto era alimentado com água e alfafa, assistia, de longe, às brigas violentas entre os colegas. Uma sucessão de coices sanguinolentos. Chico olhou aquele burro e pensou: talvez fosse melhor estar sob freios do que estar solto no pasto da vida para escoicear e ser escoiceado.
Aprendi a lição - disse ele, pronto para receber os arreios.
Chico já estava cansado. Trabalhava, lutava no centro, fazia caridade, escrevia quase por compulsão e continuava desacreditado. Ele reclamava dos incrédulos, se queixava dos comentários envenenados e se entregava à reza. Após uma das várias orações, Maria João de Deus voltou à cena e, em vez de um conselho, sugeriu um remédio.
- Meu filho, para curar essas inquietações, você deve usar água da paz.
Chico saiu à procura do remédio em todas as farmácias de Pedro Leopoldo. Nada. Recorreu a Belo Horizonte. Nada de novo. Ao fim de duas semanas, comunicou à mãe o fracasso da busca. A aparição ensinou:
- Não precisava viajar. Você poderá obter o remédio em casa mesmo. Pode ser a água do pote.
Como assim?
Quando alguém lhe fizer provocações, beba um pouco de água pura e conserve-a na boca. Não a lance fora nem a engula.
Enquanto persistir a tentação de responder, guarde a água da paz banhando a língua.
Chico engoliu a lição do silêncio. E digeriu.
Nessa noite, sentiu o braço movido por alguém. Tomou o lápis e despejou os versos:
"Meu amigo, se desejas: paz crescente e guerra pouca,  ajuda sem reclamar/ e aprende a calar a boca".
Dessa vez, o recado veio com assinatura: Casimiro Cunha, poeta de Vassouras, morto em 1914.
As visitas do outro mundo começaram a se identificar a partir de 1931. Uma tarde, Chico regava os canteiros de alho na horta de José Felizardo, quando uma voz lhe  pediu que ouvisse com atenção um poema inédito: "Vozes de uma Sombra". O dono da voz e dos versos se anunciou como Augusto dos Anjos. E começou a lançar no ar palavras  insólitas.
"Donde venho? Das eras remotíssimas/ Das substâncias elementaríssimas/ Emergindo das cósmicas matérias".
Chico ouvia, regava o alho e perdia o fio da meada.
"Venho dos invisíveis protozoários/ Da confusão dos seres embrionários/ Das células primevas, das bactérias..."
A voz pedia toda a atenção. Precisava recitar os versos naquele momento, durante o entardecer, e naquele cenário. Tudo o inspirava. Chico deveria ouvir as palavras, familiarizar-se com elas e decifrá-las para mais tarde colocar as rimas no papel sem dificuldade.
Corpos multiformes, vultoso abdômen, intensas torpitudes, larvas rudes, animáculo medonho, fótons, galáxias.
O rapaz tropeçava nas sílabas e nos significados daquele palavrório. E, com o regador a tiracolo, parecia um imenso ponto de interrogação.
O poeta invisível perdeu a paciência com a dificuldade do matuto de Pedro Leopoldo em entender os versos e entregou-se a Deus:
- Quer saber de uma coisa? Vou escrever o que puder, pois sua cabeça não agüenta mesmo.
O poema foi destaque do primeiro livro publicado por Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, ao lado de outros 56 atribuídos a catorze poetas, todos enterrados. Para não se perder em meio às palavras desconhecidas, Chico costumava recorrer ao dicionário. Só assim descobria o sentido de algumas delas e corrigia a ortografia de outras.
Os poemas saíam de sua mão acompanhados de assinaturas inacreditáveis: Castro Alves, Alphonsus de Guimarães, Olavo Bilac. Até Dom Pedro II tomou coragem e arriscou versos sobre um Brasil "triste e saudoso", que rimava com "bonançoso", e sobre uma "alma torturada", que combinava com "pátria idolatrada".
Chico aproveitava cada minuto livre para escrever. E, no início, quando a eletricidade nem tinha chegado a Pedro Leopoldo, era surpreendido por acidentes estranhos.
Enquanto prestava atenção aos ditados do além ou sentia as mãos guiadas à revelia, ventos súbitos lançavam velas acesas sobre as mensagens e derrubavam o tinteiro sobre o papel. O rapaz encarava os obstáculos como provação e seguia adiante.
A notícia de suas estripulias lítero-espirituais começou a correr. Por essa época, Chico estava no enterro de um amigo, quando um jovem padre se aproximou e perguntou se era verdade que ele recebia mensagens do outro mundo. Chico confirmou. E o padre aconselhou cautela.
- Os espíritos das trevas têm muita astúcia para seduzir para o mal.
Mas os espíritos que se comunicam através de mim só ensinam o bem.
Diante da resposta, o padre lançou o desafio. Puxou um papel em branco do bolso e perguntou se ali, naquele momento, no cemitério, haveria um espírito disposto a se manifestar. Chico, sem hesitar, pegou o papel, se concentrou e, minutos depois, escreveu um soneto intitulado "Adeus". A primeira das quatro estrofes:
"O sino plange em terna suavidade/no ambiente balsâmico da igreja/ entre as naves, no altar, em tudo adeja/o perfume dos goivos da saudade".
Assinado: Auta de Souza.
Numa noite de 1931, quando escrevia mais um dos poemas de seu livro de estréia, Chico sentiu o olho esquerdo invadido por fragmentos de areia. Esfregou os grãos imaginários, mas a coceira continuou. Experimentou fixar a lâmpada com a pupila incomodada, mas em vez da luz acesa viu um foco difuso. Mal conseguia enxergar os versos recém-escritos e assinados por Casimiro de
Abreu. O rapaz ficou assustado e rezou mais uma vez.  O Dr. Bezerra apareceu para ele, tateou o olho e diagnosticou:
-Sua vista amoleceu por razões que não podemos saber agora. Prepare-se para ir a tratamento em Belo Horizonte, para que sua família não diga que você ficou sem se tratar por nossa causa.  Dois dias depois, um amigo o levou à capital mineira e um oftalmologista diagnosticou:
- Isso é um tipo de catarata obscura e inoperável.
Chico nunca mais se livrou dos grãos de areia e ficou desconfiado de ter sido atacado por "falanges das trevas" interessadas em prejudicar sua tarefa mediúnica. Desde então, todos os dias, ele medicaria o olho doente com colírios à base de cortisona e cloranfenicol.
Na época em que sofria com os primeiros sintomas da catarata, Chico recebeu mais um pedido de socorro no Centro Luiz
Gonzaga: um cego, guiado por um bêbado, tinha despencado de uma altura de quatro metros. Desmaiado e ensangüentado, já estava há horas embaixo de um viaduto da cidade.
O rapaz correu para ajudar. Alugou um quarto num velho pardieiro para o homem e conseguiu um médico de graça. Mas o doente precisava de companhia durante o dia, enquanto Chico trabalhava no bar de José Felizardo. O caixeiro publicou um anúncio no jornal semanal da cidade pedindo socorro. Seis dias depois, duas moças apareceram dispostas a ajudar o enfermo durante o dia. Trabalhavam à noite: eram prostitutas. A recuperação do doente durou um mês. Após acompanhar as rezas de Chico, as duas decidiram mudar de vida. Foram para Belo Horizonte. Uma se empregou numa tinturaria, a outra tornou-se enfermeira.
Foi o primeiro de uma série de encontros entre Chico e as "nossas irmãs que comercializam a força sexual", segundo um dos eufemismos usados por ele. Meses depois, um amigo de seu pai o convidou para dar um passeio à noite e o levou ao bordel. Chico não se apavorou nem se inibiu. Perguntou o porquê daquele programa.
O acompanhante confessou: estava atendendo a um pedido do pai de Chico, preocupado com a virgindade tardia do filho. O rapaz perdeu a paciência e, rispidamente, disse que se quisesse ir até ali não precisaria de guia.
Ao entrar no salão, ele foi reconhecido.
Vejam quem está aqui... Vamos fazer uma prece juntos.
As mulheres não estavam brincando. De repente, o bordel virou um centro espírita improvisado. Preces, passes, "uma grande alegria cristã", segundo Chico. "Uma chatice", segundo quatro candidatos a uma noitada nada católica.
O rapaz saiu de lá intacto.
(Trecho do livro As Vidas de Chico Xavier - Autor: Marcel Souto Maior)

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O que mais sofremos no mundo –
Não é a dificuldade. É o desânimo em superá-la.
Não é a provação. É o desespero diante do sofrimento.
Não é a doença. É o pavor de recebê-la.
Não é o parente infeliz. É a mágoa de tê-lo na equipe familiar.
Não é o fracasso. É a teimosia de não reconhecer os próprios erros.
Não é a ingratidão. É a incapacidade de amar sem egoísmo.
Não é a própria pequenez. É a revolta contra a superioridade dos outros.
Não é a injúria. É o orgulho ferido.
Não é a tentação. É a volúpia de experimentar-lhe os alvitres.
Não é a velhice do corpo. É a paixão pelas aparências.
Como é fácil de perceber, na solução de qualquer problema, o pior problema é a carga de aflições que criamos, desenvolvemos e sustentamos contra nós.
(Espírito: ALBINO TEIXEIRA - Médium: Francisco Cândido Xavier - Livro: "Passos da Vida" - EDIÇÃO IDE)
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