Ressurreição e reencarnação (IV)
Mas, quando o homem há morrido uma vez,
quando seu corpo, separado de seu espírito, foi consumido, que é feito dele? —
Tendo morrido uma vez, poderia o homem reviver de novo? Nesta guerra em que me
acho todos os dias da minha vida, espero que chegue a minha mutação. (JOB, cap.
XIV, v. 10,14. Tradução de Le Maistre de Sacy.)
Quando o homem morre, perde toda a sua força,
expira. Depois, onde está ele? – Se o homem morre, viverá de novo? Esperarei
todos os dias de meu combate, até que venha alguma mutação? (ID. Tradução
protestante de Osterwald.)
Quando o homem está morto, vive sempre;
acabando os dias da minha existência terrestre, esperarei, porquanto a ela
voltarei de novo. (ID. Versão da Igreja grega.)
Nessas três versões, o princípio da
pluralidade das existências se acha claramente expresso. Ninguém poderá supor
que Job haja querido falar da regeneração pela água do batismo, que ele de
certo não conhecia. “Tendo o homem morrido uma vez, poderia reviver de novo?” A
idéia de morrer uma vez, e de reviver implica a de morrer e reviver muitas
vezes. A versão da Igreja grega ainda é mais explícita, se é que isso é
possível: “Acabando os dias da minha existência terrena, esperarei, porquanto a
ela voltarei”, ou, voltarei à existência terrestre. Isso é tão claro, como se
alguém dissesse: “Saio de minha casa, mas a ela tornarei.”
“Nesta guerra em que me encontro todos os
dias de minha vida, espero que se dê a minha mutação.” Job, evidentemente,
pretendeu referir-se à luta que sustentava contra as misérias da vida. Espera a
sua mutação, isto é, resigna-se. Na versão grega, esperarei parece aplicar-se,
preferentemente, a uma nova existência: “Quando a minha existência estiver
acabada, esperarei, porquanto a ela voltarei.” Job como que se coloca, após a
morte, no intervalo que separa uma existência de outra e diz que lá aguardará o
momento de voltar.
Não há, pois, duvidar de que, sob o nome de
ressurreição, o princípio da reencarnação era ponto de uma das crenças
fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os profetas confirmaram de modo formal;
donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo. Um dia,
porém, suas palavras, quando forem meditadas sem idéias preconcebidas,
reconhecer-se-ão autorizadas quanto a esse ponto, bem como em relação a muitos
outros.
A essa autoridade, do ponto de vista
religioso, se adita, do ponto de vista filosófico, a das provas que resultam da
observação dos fatos. Quando se trata de remontar dos efeitos às causas, a
reencarnação surge como de necessidade absoluta, como condição inerente à Humanidade;
numa palavra: como lei da Natureza. Pelos seus resultados, ela se evidencia, de
modo, por assim dizer, material, da mesma forma que o motor oculto se revela
pelo movimento. Só ela pode dizer ao homem donde ele vem, para onde vai, por
que está na Terra, e justificar todas as anomalias e todas as aparentes
injustiças que a vida apresenta.
Sem o princípio da preexistência da alma e da
pluralidade das existências, são ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do
Evangelho, razão por que hão dado lugar a tão contraditórias interpretações.
Está nesse princípio a chave que lhes restituirá o sentido verdadeiro.
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV, itens 14 a
17.)