A cólera
O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que
sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar; a vos
considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer em espírito,
quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo
vos irrita e aborrece. Que sucede então? — Entregais-vos à cólera.
Pesquisai a origem desses acessos de demência
passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a
razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. Que é o que
vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho
ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se originam de
contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à
sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar.
Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se
atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não
obedecem. Ah! se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou
teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia! Imagine ele por aí que
impressão produzirá nos outros. Quando não fosse pelo respeito que deve a si
mesmo, cumpria-lhe esforçar-se por vencer um pendor que o torna objeto de
piedade.
Se ponderasse que a cólera a nada remedeia,
que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a
sua primeira vítima. Mas, outra consideração, sobretudo, devera contê-lo, a de
que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo
de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se,
num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar toda a sua vida!
Em suma, a cólera não exclui certas
qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de
muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. O
espírita, ao demais, é concitado a isso por outro motivo: o de que a cólera é
contrária à caridade e à humildade cristãs. — Um Espírito protetor. (Bordéus,
1863.)
(Fonte:
O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX, item 9.)