A PEDRA
Certa
vez, o doce e meigo monge, ao passar nas proximidades de um belo riacho,
deparou-se com uma estranha assembléia, onde várias mulheres que trabalham como
lavadeiras opinavam fervorosamente sobre o perdão das ofensas. Alguns metros à
frente duas mulheres com semblantes franzidos continuavam seu delicado trabalho,
sem ao menos se olharem, mas podia-se notar no ar o sentimento de rancor e
amargura entre elas.
Esse
incidente então seria o motivo desta conversação tão apimentada e descabida das
outras senhoras que ali se encontravam. Este pequeno grupo reunido buscava
apenas colocar e explanar suas opiniões pessoais e em nada favoreciam para que
esse rompimento de laços fraternos se restabelecesse e a harmonia pudesse ali
permanecer.
O
doce rabi, aproximando-se calmamente da margem do belo riacho, colocando uma de
suas meigas mãos dentro de pequena bolsa que carregava junto a sua cintura e ao
retirá-la retém um pedaço de pano que se assemelha a um lenço e na outra coleta
uma pequena e arredondada pedra na margem do rio.
As
curiosas lavadeiras observando a inusitada cena, aos poucos se aproximam, ainda
receosas sobre o que iria ocorrer. Entretanto o afável senhor, em nada modifica
o semblante calmo e terno, virando-se para a platéia, simplesmente diz:
-
Imaginem que essa pedra me foi atirada em uma vila que adentrei e que ate hoje
carrego comigo, pois ainda não encontrei meu agressor e assim não pude
devolvê-la.
Sem
soltar a pedra de uma das mãos e segurando o precioso tecido na outra, inicia
sua tarefa de limpeza deste pequeno retalho, mergulhando-o no riacho e esfregando-o
de forma constante e incisiva.
No
inicio a tarefa parecia facilitada pela pedra que ao atritar ao tecido,
conseguia retirar a sujeira do mesmo, as mulheres olhavam a tudo admiradas, e
muitas acharam a idéia maravilhosa, algumas buscando copiar os movimentos do
talentoso senhor.
Entretanto
à medida que os movimentos se tornavam mais invariáveis e ritmados, esse
pequeno lenço ia se desfazendo, devido ao atrito do mineral. Nisto as opiniões
também iam se modificando, algumas chegaram a manifestar suas idéias,
chamando-o de louco, insano, e descuidado.
Ao
olhar o produto todo desfeito na mão daquele pobre homem, as impulsivas
lavadeiras ansiavam então expor suas conclusões com extrema certeza.
Entretanto
o bondoso samaritano ainda desejoso em fazer-se compreendido, curva-se frente
ao refrescante riacho e mantendo presa em sua mão a pedra, busca em vão
dessedentar-se, pois o pequeno objeto dificultava de forma intensa a mais essa
simples tarefa.
As
então sorridentes e irônicas lavadeiras direcionaram certas palavras ofensivas
e críticas aquele insensato senhor:
-
Isso não tinha como dar certo.
-
Você deveria ter jogado a pedra fora enquanto tinha tempo.
-
Não sei por que você vendo que essa pedra o atrapalhava não a jogou fora.
Outras
foram ainda além:
- Só um louco carrega algo que não lhe tem
valor ou lhe serve de auxiliar.
-
Como pode se apegar a algo tão insignificante assim ao ponto de sacrificar-se
por nada.
Neste
instante o adorável monge, eleva seu olhar paternal a todas essas humildes e simplórias
senhoras e como que pudesse adentrar em cada coração, sorridente exclamou:
-
Vejamos como as coisas se tornam mais claras, quando passamos a analisá-las com
atenção, quisera eu ter evitado desastroso desfecho, mas como apenas me
preocupei em manter próximo a mim o objeto que outrora me agrediu e assim ao
efetuar minha tarefa, não notei o quanto flagelava o pobre tecido que acabou
por romper-se, devido aos meus imprudentes e constantes movimentos e quanto
mais me dedicava a apegar-me a pedra e utilizá-la como ferramenta no trabalho e
motivação na tarefa, mais prejudicado o tecido se fazia.
Assim
somos nós que em nossas caminhadas pela existência, coletamos pedras pelo
caminho, muitas vezes com a desculpa de nos protegermos, evitarmos sermos atacados
ou simplesmente por vaidade e egoísmo.
O
orgulho que alimentamos em nosso intimo e a negativa em reparar o erro cometido
pelo equivoco ou escolha menos assertiva e que nos negamos a perdoar,
assemelha-se a esta pequena pedra que carrego comigo e sempre que a mantemos
presa em nossas mãos, notamos que mais ela nos prejudica a cada momento e
acabamos por comprometer nossa existência por algo sem serventia ou
importância, mas à medida que resolvemos abandoná-la, conseguimos continuar as
tarefas sem maiores complicações. Basta analisarmos, que se algo não me auxilia,
significa que não tem necessidade de ser transportada e muito menos utilizada.
Após
simples exposição, as duas senhoras que se encontravam próximas e em momento
algum se manifestaram, olharam-se enternecidas e se abraçaram.
Quem
seria o ofensor ou o ofendido não mais importava, o perdão havia adentrado nos
corações aflitos e aplacado as dores da desilusão.
A
pedra que o monge coletou, foi novamente colocada no singelo regato e o doce
homem continua sua caminhada, pois nesse dia, a roupagem da alma foi lavada com
a agua da fraternidade e do entendimento.
( Texto do Livro SINGELO PEREGRINO - Ensinos de Um Doce Rabi Peregrino - Psicografado por Alessandro Micussi, ditado pelo espírito de Antônio Carlos Gonzaga)