“Um homem tinha dois filhos. Disse o mais moço a
seu pai: Meu pai, dá-me a parte dos bens que me toca. E ele repartiu os seus
haveres entre ambos. Poucos dias depois o filho mais moço ajuntando tudo o que
era seu, partiu para um país longínquo e lá dissipou todos os seus bens,
vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele pais uma
grande fome e ele começou a passar necessidades. Então foi encostar-se a um dos
cidadãos daquele pais e este o mandou para seus campos a guardar porcos; ali
desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas
dava. Caindo, porém, em si, disse:
Quantos jornaleiros de meu pai têm pão com fartura
e eu aqui, morrendo de fome! Levantar-me-ei, irei a meu pai e dir-lhe-ei: Pai,
pequei contra o Céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho;
trata-me como um dos teus jornaleiros. E levantando-se foi a seu pai. Estando
ele ainda longe, seu pai viu-o e teve compaixão dele, e; correndo, o abraçou e
o beijou. Disse-lhe o filho: Pai, pequei contra o Céu e diante de ti; já não
sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus servos: trazei
depressa a melhor roupa e vesti-lha, e ponde-lhe o anel no dedo e sandálias nos
pés; trazei também um novilho cevado, matai-o, comamos e regozijemo-nos, porque
este meu filho era morto e reviveu, estava perdido e se achou. E começaram a
regozijar-se. Ora, o seu filho mais velho estava no campo; e, quando voltou e
foi chegando à casa, ouviu a música e a dança, e chamando os criados perguntou-lhes
o que era aquilo. Um deles respondeu:
Chegou teu irmão e teu pai mandou matar o novilho
cevado, porque o recuperou com saúde. Então ele se indignou, e não queria
entrar; e, sabendo disso, seu pai procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu: Há
tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me
deste um cabrito para eu me regozijar com os meus amigos; mas, quando veio este
teu filho que gastou teus bens com meretrizes, tu mandaste matar o novilho mais
gordo. Respondeu-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo que é meu é
teu; entretanto, cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, por que este teu
irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou.”
Esta Parábola imaginosa relatada pelo Evangelista
Lucas é a doce e melodiosa Palavra de Jesus, dizendo aos homens da bondade sem
limites, da caridade infinita de Deus!
Ambas as individualidades que representam o Filho
Obediente e o Filho Desobediente simbolizam a Humanidade Terrestre.
O Pai de ambos aqueles filhos, simboliza Deus.
Uma pequena, pequeníssima parte da Humanidade
personificada no Filho Obediente, se esforça por guardar a Lei Divina e
permanece, portanto, na Casa do Pai. A outra parte personifica o Filho
Desobediente, que, de posse dos haveres celestiais, dissipa todos esses bens e
vive dissolutamente, até chegar ao extremo de ter de comer das alfarrobas
que os porcos comem.Esse extremo é que o força a voltar à
casa paterna, onde, acolhido com benemerência e conforto, volta a participar
das regalias concedidas aos outros filhos.
Em resumo: esta simples alegoria, capaz de ser
compreendida por uma criança, demonstra o amparo e a proteção que Deus sempre
reserva a todos os seus filhos. Nenhum deles é abandonado pelo Pai Celestial,
tenha os pecados que tiver, pratique as faltas que praticar, porque se é
verdade que o filho chega a perder a condição de filho, o Pai nunca perde a
condição de Pai para com todos, porque todos somos criaturas suas. Estejam eles
onde estiverem, quer no Mundo, quer no Espaço; quer neste planeta, quer em país
longínquo, ou seja noutro planeta, com um corpo de carne ou com um
corpo espiritual, o Pai a nenhum despreza, a nenhum abandona, porque nos criou
para gozarmos da sua Luz, da sua Glória, do seu Amor!
O Pai Celestial não é o pai da carne e do sangue,
pois como disse o Apóstolo: “a carne e o sangue não podem herdar o Reino de
Deus”; a carne e o sangue são corruptíveis, só o Espírito é incorruptível, só o
Espírito permanece eternamente. O Pai Celestial é Espírito, é Deus de Verdade,
Deus Vivo, por isso seus filhos também são Espíritos que permanecem na
Imortalidade.
A Luz, a Verdade, o Amor não foram criados para os
corpos, mas sim para as almas.
Como poderia Deus criar um “filho pródigo”, a não
ser para que ele, depois de passar pela experiência dura do mal que praticou,
voltar para o seu Criador, e, arrependido, propor o não mais ser perdulário,
mas adaptar-se à Vontade Divina, e caminhar para os destinos felizes que lhe
estão reservados!
Como poderia Deus criar uma alma ao lado de um
Inferno Eterno!
Que pai é esse que produz filhos para mandá-los
atormentar para sempre?
A Parábola do Filho Pródigo é a magnificência de
Deus e ao mesmo tempo o solene e categórico protesto de Jesus contra a doutrina
blasfema, caduca, irracional das penas eternas do Inferno, inventada
pelos homens.
Não há sofrimentos eternos, não há dores
infindáveis, não há castigos sem fim, porque se os mesmos fossem eternos, Deus
não seria justo, sábio e misericordioso.
Há gozos eternos, há prazeres inextinguíveis, há
felicidades indestrutíveis por todo o infinito, esplendores por toda a Criação,
Amor por toda a Eternidade!
Erguei as vossas vistas para os céus. O que vedes?
Um manto estrelado sobre vossas cabeças, chispas luminosas vos cercam de
carícias; fulgurações multicores vos atraem para as regiões da felicidade e da
luz!
Olhai para baixo, para a terra, para as águas: o
que vedes? Essas chispas, essas luzes, essas estrelas, essas cintilações
retratadas no espelho das águas, nas carolas das flores, nos tapetes
verdejantes dos campos; porque das luzes nascem as cores, são elas que dão
colorido às flores, que iluminam os campos, que agitam as águas!
Ó! homem, onde quer que estejas, se quiseres ver
com os olhos do Espírito, verás a bondade e o amor de Deus animando e
vivificando o Universo inteiro! Tanto em baixo como em cima, à esquerda como à
direita, se abrires os olhos da razão, verás a mesma lei sábia, justa,
eqüitativa, regendo o grão de areia e o gigantesco Sol que se baloiça no
Espaço; o infusório que emerge, a gota dágua e o Espírito de Luz, que se eleva
sereno às regiões bem-aventuradas da Paz!
A Lei de Deus é igual para todos: não poderia ser
boa para o bom e má para o mau; porque tanto o que é bom quanto o que é mau
estão sob as vistas do Supremo Criador, que faz do mau bom, e do bom melhor:
pois tudo é criado para glorificar o seu Imaculado Nome!
Não há privilégios nem exclusões para Deus; para
todos Ele faz nascer o seu Sol, para todos faz brilhar suas estrelas, para
todos deu o dia e a noite; para todos faz descer a chuva!
Quando a criatura humana, num momento de irreflexão
se afasta de Deus, e, dissipando os bens que o Criador a todos doou, se entrega
a toda sorte de dissoluções, a dor e a miséria, esses terríveis aguilhões do
Progresso Espiritual ferem rijo a sua alma orgulhosa até que, num momento
supremo de angústia, ela possa elevar-se para Deus e deliberar reentrar no
caminho da perfectibilidade. É então que, como o Filho Pródigo, o homem
transviado, tocado pelo arrependimento, volta-se para o Pai carinhoso e diz:
“Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu
filho...” E Deus, nosso amoroso Criador, que já o havia visto em caminho para dEle
se aproximar e rogar, abre àquele filho as portas da regeneração e lhe faculta
todas as dádivas, todos os dons necessários para esse grandioso trabalho da
perfeição espiritual.
Está escrito no Evangelho que houve um banquete com
música e festa à chegada do Filho Pródigo à Casa Paterna. Está escrito mais,
que o Pai mandou ver a melhor roupa para vestir o filho que voltou, as melhores
sandálias para lhes resguardar os pés e, ainda lhe colocou no dedo um belo
anel, tal foi a alegria que teve, e tal é a alegria nos Céus, quando uma alma
transviada, para os Céus se volta.
O Pai está sempre pronto a receber o Filho Pródigo,
e os Céus estão sempre abertos à sua chegada Não há falta, por maior que seja,
que não se possa reparar; assim como não há nódoa, por mais fixa que pareça,
que não se possa apagar.
Tudo se retempera, tudo se corrige, tudo se
transforma, do pequeno para o grande, do mau para o bom, das trevas para a luz,
do erro para a verdade! Tudo limpa, tudo alveja, tudo reluz ao atrito do fogo
sagrado do Progresso, tudo se aperfeiçoa, tudo evolui, todas as almas caminham
para Deus!
Eis o que diz o Evangelho, mas o Evangelho de Jesus
Cristo, o Evangelho do Amor a Deus e ao próximo.
Completando a Parábola, vemos que o Filho Pródigo
recebeu os bens, saiu de casa, esbanjou-os dissolutamente numa vida desregrada.
E o que não foi Pródigo, o Filho Obediente, por seu turno, enterrou seus bens,
como aquele que enterrou o talento da Parábola.
O que diz o Evangelho que o Filho Obediente fez dos
bens que possuía?
Ele vivia à custa do Pai, participava de todos os
bens que havia em casa, e, com a chegada do irmão, ao ver a festa com que
aquele foi recebido, entristeceu-se: cheio de egoísmo, de avareza, revoltou-se
contra o Pai!
Infelizmente, é assim esta atrasada Humanidade! Ela
se compõe de Filhos Pródigos e de Filhos Obedientes, mas estes parecem ser
ainda piores que aqueles!
E tanto é verdade o que nos passa pela mente, que,
ao concluir a Parábola, o Mestre exalta os pródigos que voltam
e censura os obedientes que ficam, não só com os bens que
receberam, como, também, com as paixões más de que não se querem despojar!
Mas a Humanidade progride, e este mundo passará a
hierarquia mais elevada com a vinda de Espíritos melhores, que nos orientarão
para o Bem e o Belo, para a realização total dos nossos destinos!
"Disse Jesus aos discípulos: Havia um homem
rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjador dos
seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta
da tua administração; pois já não pode mais ser meu administrador. Disse o
administrador consigo: Que hei de fazer, já que o meu amo me tira a
administração? Não tenho forças para cavar; de mendigar tenho vergonha. Eu sei
o que hei de fazer para que, quando for despedido do meu emprego, me recebam em
suas casas. Tendo chamado cada um dos devedores do seu amo, perguntou ao
primeiro: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: Cem cados de azeite. Disse
então: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve cinquenta. Depois
perguntou a outro: E tu, quanto deves? Respondeu ele: Cem coros de trigo.
Disse-lhe: Toma a tua conta e escreve oitenta. E o amo louvou o administrador
iníquo, por haver procedido sabiamente; porque os filhos deste mundo são mais
sábios para com a sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai
amigos com as riquezas das iniquidades, para que, quando estas vos faltarem,
vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco, também é fiel
no muito; e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito. Se, pois, não
fostes fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não
fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a
dois senhores; porque ou há de aborrecer a um e amar a outro, ou há de unir-se
a um e desprezar ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas".
(Lucas, XVI, 1-13)
1 - CAIRBAR SCHUTEL
O sentido oculto desta parábola visa a estas duas
qualidades, pelas quais se reconhece a bondade ou a maldade do homem:
fidelidade e infidelidade. Fidelidade é a constância, a firmeza e a lealdade
com que agimos em todos os momentos da vida; na abastança como na pobreza, nas
eminências dos palácios como na humanidade das choupanas, na saúde como na
enfermidade, e até nos umbrais da morte como no apogeu da vida.
O apóstolo Paulo, demonstrando sua lealdade, sua
constância, sua fidelidade, sua firmeza de caráter, dizia: "Quem me
separará do amor de Cristo?" A fidelidade é a pedra de toque com que se
prova o grau do caráter do homem. É fiel nos seus deveres? Tem forçosamente
todas as qualidades exigidas ao homem de caráter: reconhecimento,
gratidão, indulgência, caridade, amor, porque a verdadeira fidelidade não se
manifesta com exceções ou preferências. Aquele que caminha para se aperfeiçoar
em tudo, obedece à sentença de Jesus: "Sede perfeitos como perfeito é
o vosso Pai celestial".
Pelo que se conclui: expondo a parábola, Jesus teve
por fim exortar seus discípulos a se aplicarem nessa virtude, que se chama
fidelidade, para que pudessem um dia representá-la condignamente, tal como se
manifesta nos Céus. Como tudo na Natureza e como tudo o que se faz mister para
a perfeição, quer no plano físico ou na esfera intelectual e moral, a
fidelidade vai-se engrandecendo em nós, à proporção que nela nos aperfeiçoamos.
Não a adquirimos de uma só vez em sua plenitude, mas paulatinamente,
gradativamente. E aquele que já a possui em certo grau, como o
"administrador infiel" da parábola, faz jus à sua benevolência
divina.
Pelo estudo analítico da parábola vemos que o
administrador foi acusado por alguém, ou por outra, foi denunciado como
esbanjador dos bens de seu patrão, pelo que este resolveu chamá-lo à ordem,
perguntou-lhe: "O que quer dizer esta denúncia que tive de ti? Dá conta da
tua administração; pois dessa forma não podes mais ser meu empregado".
Pela prestação de contas verificou-se não ter havido esbanjamento, mas sim
facilidade em negócios, que prejudicaram o patrão. O prejuizo constava de
vendas feitas sem dinheiro e sem documentos: cem cados de azeite e cem coros de
trigo. Tanto assim que, legalizadas as contas, com as letras correspondentes ao
valor de cinquenta cados de azeite e oitenta coros de trigo", "o amo
louvou o administrador iníquo por haver procedido sabiamente.
E salientando a seus discípulos a boa tática comercial
do empregado que não só garantia a empresa que lhe fora confiada, mas também
constituía um bom meio de granjear amigos, disse-lhes: "Granjeai amigos
com a riqueza da iniquidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam
eles nos tabernáculos eternos". É o mesmo que dizer: auxiliai, com as
vossas sobras, os que têm necessidade e sede também indulgentes para com os
pecadores não lhes imputando o mal que fazem; mas antes, ao que devem cem cados
de mal, mandai-o escrever só cinquenta, e, ao que deve cem coros de erros,
mandai-os escrever oitenta; mas observai-os, que precisam trabalhar para
resgatar essa dívida.
Fazei como fez o administrador infiel, assim
chamado pelos seus acusadores, mas que, na verdade, procedeu sabiamente
"porque quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no
pouco, também é injusto no muito". "Se não fostes fiéis nas riquezas
injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio
quem vos dará o que é VOSSO?". As riquezas da iniquidade são os bens
materiais, dos quais não somos mais que depositários, são riquezas injustas e
não são NOSSAS, porque não prevalecem para a OUTRA VIDA.
O que é NOSSO são os bens incorruptíveis, dos quais
Jesus falou também a seus discípulos, para que os buscassem de preferência,
porque "os vermes não os estragam, a ferrugem não as consome, os ladrões
não os alcançam nem a morte os subtrai". Os discípulos, - como têm
obrigação de fazer, todos os que querem ser discípulos de Jesus - deveriam
servir somente a Deus, que não é o AMO, não se escravizando a qualquer
inconsciente endinheirado ou pseudo-sábio que lhe queira dominar a consciência:
não se pode servir a Deus e a Mamon!
Conclui-se de tudo o que acabamos de ler, que o
título de infiel, dado ao administrador, foi mal aplicado, torcendo por
completo o sentido que Jesus deu à mesma parábola. A palavra divina, por ser
falha quando de humana interpretação, faz-se mister que recorramos às entidades
superiores do espaço, para que lhe compreendamos sempre o sentido em Espírito e
Verdade.
2 - EM BUSCA DO MESTRE - PEDRO DE CAMARGO
(VINÍCIUS)
Sintetizemos a parábola, interpretando os seus
personagens:
O amo ou proprietário: Deus.
O mordomo infiel: o homem.
Os devedores beneficiados: nosso
próximo, os sofredores em geral.
A propriedade agrícola: O mundo que
habitamos.
Moralidade: o homem é mordomo infiel porque se apodera dos
bens que lhe são confiados para administrar, como se tais bens constituíssem
propriedade sua. Acumula esses bens, visando exclusivamente a proveitos
pessoais: restringe sua expansão, assenhoreia-se da terra cuja capacidade
produtiva delimita e compromete. Enfim, todo o seu modo de agir com relação à
propriedade que lhe foi confiada para administrar, é no sentido de
monopolizá-la em benefício próprio, menosprezando assim os legítimos direitos
do Proprietário.
Diante de tal proceder irregular, o Senhorio vê-se na contingência de
demiti-lo. Essa exoneração, que não é lavrada a pedido, consuma-se com a morte.
Todo o Espírito que desencarna é um mordomo despedido do emprego. A parábola
figura um deles, cuja prudência é motivo de elogios. É aquele que, sabendo que
ia ser despedido, e que nada poderia levar consigo, nem lhe assistia tampouco o
que alegar em seu abono diante da demissão, procura, com os bens alheios ainda
em seu poder, prevenir o seu futuro. E, como faz, granjeia amigos com a riqueza
da iniquidade, isto é, lança mão dos bens acumulados, que representam a riqueza
do Amo sob sua guarda, e, com ela, beneficia os vários devedores, cuja amizade,
de tal maneira consegue conquistar!
E o Amo (DEUS) louva a ação do mordomo (homem) que
assim procede, pois esse a quem ele aqui no mundo beneficiaria serão aqueles
que futuramente o receberão nos Tabernáculos eternos (páramos celestiais, céus,
espaço, etc.). O grande ensinamento desta importante parábola está no seguinte: Toda riqueza
é iníqua. Não
há nenhuma legítima no terreno das temporalidades do século. Riquezas legítimas
ou verdadeiras são unicamente as de ordem intelectual e moral: o saber e a
virtude. Não assiste ao homem o direito de monopolizar a terra, nem de
açambarcar os bens que dela derivam.
Seu direito não vai além do usufruto. Como, porém,
todos os homens são ainda egoístas e querem monopolizar os bens terrenos em
proveito exclusivo, o Mestre aconselha, com muita justeza, que, ao menos, façam
como o Mordomo Infiel: Granjeiem amigos com esses bens dos quais ilegalmente se
apossaram, reduzindo, assim, o débito dos que, nesta existência, resgatam
culpas. A parábola em apreço contém, em sua essência, transcendente lição de
sociologia, encerrando um libelo contra a avareza, e belíssima apologia da
liberalidade e do altruísmo, virtudes cardiais do Cristianismo.
Obedecem ao mesmo critério acima exposto, estes
outros dizeres: Quem é fiel no pouco também será fiel no muito. Se não fostes
fiel nas riquezas injustas, quem vos confiará as legítimas? E se não destes
boas contas do alheio, quem vos dará aquilo que se tornará vosso? É claro que a
riqueza classificada como sendo o "pouco", como sendo a iníqua e
alheia é a que consiste nos bens materiais; enquanto que, a riqueza reputada
como sendo o muito, a legítima e a que constitui propriedade inalienável é
aquela representada pêlos predicados de caráter, pela virtude, numa palavra,
pela evolução conquistada pelo Espírito no transcurso das existências que se
sucedem na eternidade da vida.
A terra constitui propriedade de ninguém: é patrimônio
comum.
E, como a terra, qualquer outra espécie de bens, visto como toda a riqueza é
produto da terra. Ao homem é dado desfrutá-la na proporção das suas legítimas
necessidades. Tudo que passa daí é uma apropriação indébita. Não se acumula ar,
luz e calor para atender aos reclamos do corpo. O homem serve-se naturalmente
daqueles elementos, sem as egoísticas pretensões de entesourar.
O testemunho eloquente dos fatos demonstra que o solo quanto mais dividido e
retalhado, mais prosperidade, mais riquezas e felicidade assegura aos povos e
às nações. De outra sorte, comprova também que a causa fundamental das guerras
— esse flagelo, essa expressão de barbárie, selvageria e bruteza — está na
ambição e na megalomania de possuir e dominar o mundo, como se este pudesse
constituir propriedade do homem.
Esta parábola de Jesus tem merecido as mais
desencontradas interpretações no decurso dos tempos pelo fato de,
aparentemente, encerrar uma apologia à desonestidade e uma consagração à
fraude.
Muitos supõem que o fato de Jesus recomendar que se
deva "grangear amigos, com o dinheiro da injustiça", representa um
incentivo à conquista de fortunas ilícitas, pois, afIrmam: "uma vez que se
faça amigos com aquilo que é contraído desonestamente, não haverá maiores
problemas".
Ninguém ignora, entretanto, que no Evangelho não
existe nada dúbio, e que não é esse o espírito do ensinamento contido na
parábola.
O mordomo infiel foi descoberto na prática de atos
de desonestidade e, como decorrência, viu-se na iminência de perder o seu
cargo. Agindo com verdadeiro espírito de previsão, ele achou que o caminho mais
acertado, uma vez que já havia cometido o erro, seria aquele de grangear
amigos, para que estes, quando ele estivesse privado da mordomia e na condição
de penúria, o ajudassem como amigos.
Chamando todos os devedores do seu senhor, reduziu
as dívidas de cada um, e o senhor, ao tomar conhecimento da sua atitude desleal
e infiel, admirou-se de sua prudência. Jesus por sua vez esclareceu que
"os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos
da luz".
Qual será a linha divisória entre os bens
adquiridos legítima ou ilegitimamente?
O apóstolo Tiago, em sua Epístola Universal,
assevera:
"O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram,
e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e comerá fogo a vossa carne.
Entesourastes para os últimos dias. Eis que o jornal dos trabalhadores que
ceifaram as vossas terras, e por vós foi diminuído, clama." (Tiago, 5:3-4)
O usurpador dos bens do próximo tanto é aquele que
rouba ostensivamente, como aquele que, no dizer judicioso de Tiago:
"diminue o salário dos seus trabalhadores", locupletando-se com um
patrimônio que poderia ter mitigado fome, proporcionando saúde, bem-estar,
educação e até estancado lágrimas.
Tiago preconiza que, se o ouro ou a prata dos
nossos tesouros materiais se enferrujarem, a ferrugem clamará contra nós.
Ferrugem essa causada pela estagnação da riqueza, pela avareza, pela falta de
uma aplicação sadia, que venha a beneficiar a coletividade; ferrugem
simbolizada nas pessoas que mercantilizam com seus dons e com sua inteligência;
ferrugem representada pelo saber, pelo conhecimento, que muitas pessoas
guardam, egoisticamente, apenas para si.
Um indivíduo que, sem conhecer os seus reflexos no
mundo espiritual, tenha adquirido uma fortuna ilegítima e resolve por um
paradeiro em seu erro, obviamente poderá reduzir o clamor de que fala Tiago, e
minorar as conseqüências do desajuste que sofrerá nos planos espirituais,
tomando como exemplo o feito do publicano Zaqueu, (Lucas, 19:1-10), que, ao
receber em seu lar a visita de Jesus, decidiu-se espontaneamente a repartir com
os pobres metade da sua fortuna e a restituir quatro vezes mais às pessoas a
quem havia espoliado.
Zaqueu fez como o mordomo da parábola: grangeou
amigos com o dinheiro que havia acumulado através da prática da injustiça, e,
quando se dispôs a reparar a falta, Jesus o elogiou, dizendo: "Zaqueu,
hoje entrou a salvação em tua casa!"
A Parábola do Rico e de Lázaro, (Lucas, 16: 19-31),
nos revela as conseqüências funestas com que se depara um Espírito que
"não soube ser prudente, grangeando amigos com as riquezas contraídas com
a prática da injustiça": o rico da parábola não encontrou amigos nos
"tabernáculos eternos", nem para "molhar o dedo na água e
refrescar a sua língua":
Ele não amparou Lázaro, não procurou ajudá-lo a
encontrar meios de minorar as suas dores, e, como decorrência, após ultrapassar
o limiar do túmulo, não obteve permissão para que Lázaro, que habitava "os
tabernáculos eternos", viesse aplacar as atribulações que o acometiam.
O homem que Deus situa na Terra, cumulado de todas
as prerrogativas, desfrutando das facilidades da saúde, da paz, da educação,
dos benefícios do instituto familiar, mas que malbarata todos esses valores,
simboliza o Mordomo Infiel, esbanjando os talentos que Deus, nosso Pai, lhe
confiou.
Entretanto, como o filho deste século é mais
prudente do que os filhos da luz, esse mordomo infiel poderá auxiliar o seu
próximo, minorando seus sofrimentos, ajudando-o, desta forma, a ter mais força
para levar avante a sua tarefa.
O mais apreciável bem que poderíamos fazer ao nosso
semelhante, é, ajudá-lo no processo de auto-iluminação. A criatura esclarecida
consegue evitar desvios e furtar-se à prática de atos danosos, que levam a
contrair novas dívidas perante a Justiça Divina. Porisso, proclamou o Mestre:
"Conheça a verdade e ela vos fará
livres".
Se alguém contribuir para elucidar um Espírito
encarnado, iluminando a sua senda e proporcionando-lhe maiores condições de
poder discernir o bem do mal, dando-lhe condições de diminuir suas dívidas para
com a Justiça Divina, estará atuando como o Mordomo Infiel, que, apesar de ter
esbanjado os talentos que Deus lhe confiou, soube ser diligente no gerir de sua
vida material e, pelo menos, amparou o seu próximo, ajudando-o a carregar o seu
pesado fardo: obviamente, esse seu próximo, agradecido, o ajudará como amigo
quando, pela morte do corpo, for despojado da mordomia e se ver face aos
"clamores" no mundo espiritual.
O mais formal desmentido às interpretações dúbias
da parábola do Mordomo Infiel está contido nas últimas palavras da narrativa:
"Pois se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as
verdadeiras? E se no alheio não fostes fiéis quem vos dará o que é vosso?"
Na realidade, Jesus deixa implícito nesse ensinamento sobre, se não soubermos
aplicar a fidelidade no trato das riquezas injustas, quem nos confiará as
riquezas verdadeiras, pois, é óbvio que a nossa infidelidade nas coisas
pequenas, também é válida nas coisas grandes: se não soubermos ser fiéis
naquilo que não é nosso, quem esperará a nossa fidelidade naquilo que é nosso?
O apóstolo Paulo recomendou que aprendêssemos a nos
livrar das coisas corruptíveis para que pudéssemos entrar no gozo das coisas
incorruptíveis: Se não soubermos gerir bem as coisas da Terra, como nos poderão
ser confiadas as coisas do Céu?
4 - RODOLFO CALLIGARIS
Esta parábola, interpretada ao pé da letra, pode
dar a entender que o Mestre esteja apontando o roubo e a fraude como exemplos
de conduta dignos de serem imitados.
Considerada, porém, em seu verdadeiro sentido,
segundo o espírito que vivifica, encerrra uma profunda lição de sabedoria e de
bondade que poucos hão sabido entender.
Inicialmente, identifiquemos as duas principais
personagens da historieta evangélica, e o local em que a ação se desenrola.
O rico proprietário é Deus, o Poder Absoluto que
sustenta todo o Universo; o mordomo é a Humanidade, ou seja, cada um de nós; e
a fazenda é o planeta Terra, campo em que se desenvolve atualmente nossa
evolução.
Os bens que nos foram dados a administrar é tudo o
de que nos jactamos estultamente nesta vida: propriedades, fortuna, posição
social, família e até mesmo nosso corpo físico.
Todas essas coisas nos são colocadas à disposição
pelo Supremo Senhor, durante algum tempo, a fim de serem movimentadas para
benefício geral, mas, em realidade, não nos pertencem. A prova disso está em
que sempre chega o dia em que seremos despojados delas, quer o desejemos, quer
não.
Nossa infidelidade consiste em utilizarmo-nos
desses recursos egoisticamente, como se fossem patrimônio nosso, dilapidando-o
ao sabor de nossos caprichos, esquecidos de que não poderemos fugir à devida
prestação de contas quando, pela morte, formos despedidos da mordomia.
Pois bem, já que abusamos da Providência,
malbaratando os bens de que somos simples administradores, tenhamos ao menos o
atilamento do mordomo de que fala a parábola.
Que fêz ele? Para ter quem o favorecesse, quando
demitido do cargo que desempenhava, tratou de fazer amigos, reduzindo as contas
dos devedores de seu amo.
E' o que Jesus nos aconselha fazer, quando diz:
"granjeai amigos com as riquezas iníquas".
Em outras palavras, isto significa que os
sofredores de todos os matizes são criaturas que se acham endividadas perante
Deus, são pecadores que têm contas a saldar com a Justiça Divina, e auxiliá-los
em suas necessidades, minorar-lhes as dores e aflições, equivale a
diminuir-lhes as dívidas, de vez que, via de regra, todo sofrimento constitui
resgate de débitos contraídos no passado.
Se assim agirmos, ganharemos a amizade e a gratidão
desses infelizes, que se solidarizarão conosco quando deixarmos este mundo, bem
assim a complacência do Pai celestial, porque muito Lhe apraz ver-nos tratar o
próximo com misericórdia.
Não falta, aqui na Terra, quem admire "os
filhos do século" pelo fato de se empenharem a fundo, com inteligência,
denodo e sacrifícios até, no sentido de assegurarem aquilo a que chamam "o
seu futuro".
Quão maiores louvores, entretanto, haveriam de
merecer de Deus "os filhos da luz", os já esclarecidos acerca da vida
espiritual, se procedessem com igual esforço e dedicação, empregando a bondade
na conquista dos planos superiores, situados além deste orbe de trevas?
Sejamos, pois, colaboradores fiéis da Divindade,
gerindo os bens materiais de que dispusermos em conformidade com os
ensinamentos sublimes que nos foram ditados por Jesus no Sermão da Montanha;
assim fazendo, estaremos acumulando, no céu, um tesouro verdadeiramente imperecível.
Sim, porque as virtudes cristãs, que formos adquirindo no convívio com nossos
semelhantes, são as únicas riquezas efetivamente nossas, e só elas nos poderão
dar a felicidade perfeita, nos tabernáculos eternos!
"Então Pedro, aproximando-se de Jesus lhe
perguntou: Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de
perdoar? Será até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete
vezes, mas até setenta vezes sete vezes."
“Por isso o Reino dos Céus é semelhante a um rei,
que resolveu ajustar contas com os seus servos”. E tendo começado a ajustá-las,
trouxeram um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo, porém, o servo com que
pagar, ordenou o seu senhor que fossem vendidos - ele, sua mulher, seus filhos
e tudo quanto possuía, e que se pagasse a dívida.
“O servo, pois, prostrando-se, o reverenciava
dizendo: Tem paciência comigo, que te pagarei tudo”! E o senhor teve compaixão
daquele servo, deixou-o ir e perdoou-lhe a dívida. Tendo saído, porém, aquele
servo, encontrou um de seus companheiros, que lhe devia cem denários; e ,
segurando-o, o sufocava, dizendo-lhe: Paga o que me deves! E este, caindo-lhes
aos pés, implorava: tem paciência comigo, que te pagarei! Ele, porém, não o
atendeu; mas foi-se embora e mandou conservá-lo preso, até que pagasse a
dívida.
“Vendo, pois, os seus companheiros o que se tinha
passado, ficaram muitíssimo tristes, e foram contar ao senhor tudo o que havia
acontecido”. Então, o senhor chamando-o, disse-lhe: servo malvado, eu te
perdoei toda aquela dívida, porque me pediste; não devia também ter compaixão
do teu companheiro, como eu tive de ti? E irou-se o seu senhor e o entregou aos
verdugos, até que pagasse tudo o que lhe devia.
"Assim também meu Pai celestial vos fará, se
cada um de vós do íntimo do coração não perdoar a seu irmão". (Mateus, XVIII, 21-35)
1 - CAIRBAR SCHUTEL
No capítulo VI do Sermão do Monte, segundo Mateus,
versículo 5 a 15, ensinou Jesus a seus discípulos e à multidão que se apinhava
para ouvir os seus ensinos, a maneira como se deveria orar; e aproveitou o
ensejo para resumir num excelente e substancioso colóquio com Deus, a súplica
que ao poderoso Senhor devemos dirigir cotidianamente.
O Mestre renegava as longas e intermináveis rezas
que os escribas e fariseus do seu tempo proferiam, de pé nas sinagogas e nos
cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Observou a seus ouvintes que
tal não fizessem, mas que, fechada a porta do seu quarto, dirigissem, em
secreto, a súplica ao Senhor. A fórmula de oração e compromissos que teriam de
assumir os suplicantes, e dos quais se destaca o que constitui objeto dos
ensinos que se acham contidos na Parábola do Credor Incompassivo: "Perdoa as
nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores".
Do cumprimento ou não desta obrigação, depende o
deferimento ou indeferimento do nosso requerimento. Além disso, nesse dever se
resume toda a confissão, comunhão, extrema-unção, etc... Aquele que confessar,
comungar, receber a unção, mas não perdoar os seus devedores, não será
perdoado; ao passo que o que perdoar será imediatamente perdoado,
independentemente das demais praxes recomendadas pela Igreja de Roma ou
quaisquer outras igrejas, como meio de salvação.
Acontece ainda que o perdão, conforme o Cristo
ensinou a Pedro, deve ser perpétuo, e não concedido uma, duas ou sete vezes.
Daí vem a parábola explicativa da concessão que devemos fazer ao nosso próximo,
para podermos receber de Deus o troco na mesma moeda. Vemos que o primeiro
servo a chegar foi justamente o que mais devia: 10.000 talentos! Soma fabulosa
naquele tempo, para um trabalhador, não só naquele tempo como também hoje, pois
valendo cada talento CR$ 1.890,00 em moeda brasileira, 10.000 atingia a
respeitável soma de CR$ 18.900.000,00 (dezoito milhões e novecentos mil
cruzeiros). Se algum servo, que só tivesse mulher, filhos e alguns haveres
ficasse devendo essa importância para o Vaticano, depois de entregue ao braço
forte seria irremissivelmente condenado às penas eternas do Inferno!
Jesus escolheu mesmo essa quantia avultada para
melhor impressionar seus ouvintes sobre a bondade de Deus e a natureza da
doutrina que em nome do Senhor estava transmitindo a todos. Nenhum outro
devedor foi lembrado na parábola, porque só o primeiro era bastante para que se
completasse toda a lição. Pois bem, esse devedor, vendo-se ameaçado de ser
vendido com ele sua mulher e seus filhos, sem eximir-se do pagamento, pediu
moratória, valendo-se da benevolência do rei; este, cheio de compaixão,
perdoou-lhe a dívida, isto é, suspendeu as ordens que havia dado para que tudo
quanto possuía, mulher, filhos e mesmo o servo, fossem vendidos para o
pagamento.
Mas continua a parábola, aquele devedor, que havia
recebido o perdão, logo ao sair encontrou um de seus companheiros que lhe devia
cem denários, ou seja CR$...31,50 da nossa moeda, verdadeira bagatela que para
ele, homem devedor de aproximadamente 19 milhões de cruzeiros, por certo nada
representava; e exigiu do devedor, violentamente o seu dinheiro. Ao
desdobrar-se aquela cena, os seus companheiros, que haviam presenciado tudo o
que se passara, indignaram-se e foram contar ao rei o acontecido.
Daí a nova resolução do senhor; entregou o servo
malvado aos verdugos, a fim de que o fizessem trabalhar à força, até que lhe
pagasse tudo o que lhe devia. Esta última condição é também interessante: paga
a dívida, recebe o devedor a quitação; o que quer dizer: sublata causa, tolitur
effectus. A dívida deve forçosamente constar de um certo número de algarismos;
subtraídos estes por outros tantos semelhantes, o resultado há de se 0.
Quem deve 2 paga 2, nada fica devendo; quem deve
dezoito milhões e novecentos mil cruzeiros e paga dezoito milhões e novecentos
mil cruzeiros, não pode continuar a ficar pagando dívida. Isto é mais claro que
água cristalina. Termina Jesus a parábola afirmando: "Assim
também meu Pai Celestial vos fará, se cada um de vós do íntimo do coração não
perdoar a seu irmão".
Sem dúvida, é tão difícil a um pecador pagar
dezoito milhões e novecentos mil pecados, como a um trabalhador pagar dezoito
milhões e novecentos mil cruzeiros. Mas, tanto um como outro têm a eternidade
diante de si; o que não se pode fazer numa existência, far-se-á em duas, vinte,
cinquenta, far-se-á na outra vida, em que o Espírito não está inativo.
Tudo isso está de acordo com a bondade de Deus,
aliada à sua justiça; o que não pode ser é o indivíduo para eternamente e
continuar a pagar, depois de já ter pago. A lei do perdão é inflexível, reina
no Céu tal como a prescreveu na Terra o Mestre nazareno, cujo Espírito alheio
aos princípios sacerdotais, aos dogmas e mistérios das igrejas, deve ser
ouvido, respeitado, amado e servido
CAIBAR SCHUTEL
2 - PAULO ALVES GODOY
A parábola do Credor Incompassivo merece uma
análise mais profunda, pois ela deixa entrever, numa escala reduzida, o que
ocorre na Justiça Divina: há necessidade de se perdoar, para também ser
perdoado.
Jesus Cristo, num dos seus maravilhosos ensinos,
recomenda que devemos perdoar os nossos desafetos enquanto estivermos a caminho
com Ele, o que implica em dizer que cumpre perdoar os nossos ofensores enquanto
estivermos com eles na Terra, porque, aqui, na realidade, é o palco dos
reajustes e das expiações.
Indagado pelo apóstolo Pedro sobre quantas vezes
dever-se-ia perdoar um ofensor: duas, três ou sete vezes, o Mestre retrucou:
"Não deveis perdoar sete, mas setenta vezes sete vezes". Isso
significa que devemos estar sempre animados do desejo de perdoar, pois, Deus
sempre leva em consideração aqueles que sabem relevar as faltas do seu próximo,
esquecendo todo e qualquer ressentimento.
Na parábola, observamos que um determinado rei,
face à súplica de um dos seus servos que lhe devia elevada quantia, e que estava
na iminência de ser vendido juntamente com seus familiares, para o
ressarcimento da dívida, resolveu perdoá-lo, deixando-o ir livre.
Porém, o servo que havia merecido o perdão de suas
dívidas, saindo dali, deparou com um seu companheiro, o qual lhe devia uma
quantia só que irrisória. Ao fazer a cobrança da dívida, o devedor arrojou-se a
seus pés pedindo clemência. O credor, no entanto, foi incompassivo, ordenando
que o homem fosse preso até que a dívida fosse paga, fazendo-o após de
agarrá-lo pelo pescoço, e praticado um ato de violência.
Outros seus companheiros, que estavam na praça e
haviam presenciado a atitude inqualificável daquele homem, foram denunciar o
fato ao rei.
O rei, indignado com o seu procedimento, ordenou
que ele viesse à sua presença, e admoestou-o severamente pela sua atitude
impiedosa, e voltando atrás em sua deliberação anterior, ordenou que o servo
incompassivo fosse entregue aos torturadores, e mantido preso até que a dívida
fosse quitada.
Virtude santificante é saber perdoar, mas poucos
sabem usá-la. Jesus Cristo, na hora extrema da sua crucificação, ergueu os
olhos aos Céus e rogou ao Pai que perdoasse os seus algozes, porque eles não
sabiam o que estavam fazendo, representando essa sua atitude um autêntico
exemplo de bondade e de tolerância para com as faltas alheias. Essa
demonstração de amor ao próximo deve servir de paradigma para todas as
gerações.
A falta cometida por qualquer pessoa, reclama
reajustamento no futuro, e as piores coisas que podem acontecer aos nossos
Espíritos, ao adentrarem a vida futura, é levar os corações inundados de ódio e
de sentimentos de vingança. Isso, indubitavelmente, servirá para acarretar
sensíveis atrasos em nosso processo evolutivo.
Quando suplicamos ao Pai, na oração
dominical: "Perdoai
as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores",
geralmente fazemos uma promessa inócua, um verdadeiro engodo. Queremos
realmente que Deus perdoe as nossas grandes dívidas e ofensas, em retribuição
prometemos, mas não cumprimos, dispensar o perdão àqueles que nos devem muito
pouco.
Não devemos, desta maneira, agir como o credor
incompassivo. Sempre que suplicarmos o perdão a Deus, devemos ter em mente que
torna-se mister possuirmos um coração limpo de qualquer ressentimento, estando
sempre animados do propósito de perdoar o nosso próximo, com o esquecimento de
todos os males que nos tenham atingido.
Paulo Alves Godoy
3 - RODOLFO CALLIGARIS
Esta parábola de Jesus é uma ilustração admirável
daquela frase contida na oração dominical, em que ele nos ensina a rogar ao Pai
celestial: "perdoa
as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores."
O primeiro servo era devedor da quantia de dez mil
talentos, soma fabulosa, que, em nossa moeda, equivaleria hoje a uns duzentos
milhões de cruzeiros.
Esse devedor, vendo-se ameaçado de ser vendido, e
mais a mulher, os filhos, e tudo quanto possuía, para resgate da dívida, pediu
moratória, isto é, um prazo para que pudesse satisfazer a tão vultoso
compromisso, e o rei, compadecendo-se dele, deferiu-lhe o pedido.
Pois bem, mal havia obtido tão generoso
atendimento, eis que encontrou um companheiro que lhe devia uma bagatela, ou
sejam, cem denários (aproximadamente quatrocentos cruzeiros) e, para reaver o
seu dinheiro, não titubeou em usar de recursos violentos.
Lamentavelmente, esta é, ainda em nossos dias, a
norma de conduta de grande parte da Humanidade. Reconhece-se pecadora, não nega
estar sobrecarregada de dívidas perante Deus, cujas leis transgredi a todo
instante, mas, ao mesmo tempo que suplica e espera ser perdoada de todas as
suas prevaricações, age, com relação ao próximo, de forma diametralmente
oposta, negando-se a desculpar e a tolerar quaisquer ofensas, por mais mínimas
que sejam.
Continua a parábola dizendo que o rei, posto a par
do que havia acontecido com o segundo servo, mandou vir o primeiro à sua
presença e, em nova disposição, após verberar-lhe a falta de comiseração para
com o seu companheiro, determinou aos verdugos que o prendessem e o fizessem
trabalhar à força até que pagasse tudo quanto lhe devia .
Este tópico da narrativa evangélica é de suma
importância. Revela, claramente, que há sempre um limite no pagamento das
dívidas. Estas podem, algumas vezes, ser realmente muito vultosas, como no caso
prefigurado dez mil talentos! - mas, uma vez pago esse montante, o devedor fica
com direito à quitação.
Semelhantemente, o pagamento de dez mil pecados
pode determinar longos períodos de sofrimento, muitas existências expiatórias,
mas, uma vez restabelecido o equilíbrio na balança da Justiça Divina, ninguém
pode ser coagido a ficar pagando eternamente aquilo de que já se quitou.
Jesus finaliza, afirmando: "Assim também meu
Pai celestial Vos fará, se cada um de vós, do íntimo do coração, não perdoar a
seu irmão."
Disto se conclui que a vontade de Deus é que nos
adestremos na prática do perdão e da indulgência, e, para estimular-nos à
conquista dessas virtudes, a todos favorece com Sua longanimidade e inexcedível
misericórdia.
Àqueles, porém, que se mostram impiedosos e brutais
nas atitudes que assumem contra os que os ofendem ou prejudicam, faz que
conheçam, a seu turno, o rigor da Providência, a fim de que aprendam, por
experiência própria, qual a melhor maneira de tratar seus semelhantes.
"A fé ilumina, o trabalho conquista, a regra aconselha, a afeição reconforta e o sofrimento reajusta; no entanto, para entender os Desígnios Divinos a nosso respeito, é imperioso renovar-nos em espírito, largando a hera do conformismo que se nos arraiga no íntimo, alentada pelo adubo do hábito, em repetidas experiências no plano material".
Livro Palavras De Vida Eterna - Francisco Xavier pelo espírito de Emmanuel